segunda-feira, 4 de março de 2024

Monsenhor Orivaldo Robles (Na infância tudo se decide)

Entre as muitas coisas que aprendi em criança, uma, que me marcou de modo indelével, foi a preocupação com o bem-estar alheio, com o respeito devido aos outros. Já tive oportunidade de comentar o conselho que o pai não se cansava de nos repetir: “Não sejais pesados a ninguém”. Embora homem do campo, que não frequentara bancos escolares, havia conquistado, não sei onde nem como, uma sabedoria que universidade nenhuma ensina. Era incapaz de conduta ou gesto que ferisse o direito ou até a simples preferência de alguém. Não que ele assumisse postura subserviente. Possuía clara consciência de seus direitos. Se deles chegava a abrir mão – como, mais de uma vez, pude comprovar, – fazia-o em razão de uma naturalidade que lhe brotava de dentro, de uma generosidade inata; nunca por covardia ou temor. Com tal protótipo sempre ao lado, enquanto nós crescíamos, seria mesmo difícil não nos deixarmos moldar por ele. Há gestos que ainda agora, a três décadas de sua morte, os filhos recusam praticar. Não tanto, creio, por virtude própria, senão mais pelo que ele nos deixou como exemplo. Vimos nele a importância de crer, desde muito cedo, que a grandeza de alguém independe de certos atributos hoje, infelizmente, muito valorizados.

Uma lição que o pai transmitiu com muita serenidade foi que todos nós somos iguais em natureza, mas cada um possui a própria individualidade. Aprendemos que é tolice comparar pessoas, pois, como dizem, “cada um é cada um”. Não me lembro de termos argumentado com ele que fulano tivesse algo e nós não. Ou que outros fizessem coisas que a nós não eram permitidas. Noções do dever e da consequente responsabilidade pessoal foram-nos incutidas de maneira suave, mas firme e diuturna. Mais com o jeito de agir do que com o uso de palavras.

Hoje mantenho hábitos vistos talvez como excêntricos. Se, na pressa, derrubo uma peça de roupa, ou água, leite ou suco, posso até seguir adiante, certo de que a empregada cuida disso. Mas não adianta: tenho que voltar para ajeitar, eu mesmo, as coisas. Quando estaciono o carro, observo se deixei espaço suficiente para o vizinho. Muitas vezes volto para estacionar melhor: vá que ele dirija mal como eu. Evito bater porta com força, falar alto, fazer ruído desnecessário: por que incomodar os outros? Cultivo ainda um monte de esquisitices de que não me consigo livrar. Fazer o quê? Desde criança aprendi que o outro é igual a mim. Não gosto de gente espaçosa, dona do mundo, que não respeita ninguém. Acredito que os outros também não gostem.

Não pretendo passar imagem de “bonzinho”. Nem ser melhor que ninguém. Tenho suficiente idade para não cultivar vaidades tolas. É que tive a felicidade de aprender em casa princípios válidos para qualquer tempo ou lugar.

Vivemos reclamando da violência que toma conta do mundo atual. Temos razão de reclamar. Do jeito que as coisas vão, que mundo as crianças de hoje vão encontrar quando forem adultas? Mas torná-lo menos violento depende de nós. Não há como fugir dessa evidência. Cada um é obrigado a pôr em prática aquilo que dele todos têm direito de esperar.

Começando pelos pais, que precisam convencer-se disto: tanto para o bem quanto para o mal, são eles os modelos para os filhos.

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