quinta-feira, 7 de março de 2024

Vanda Paz (Livro D'Ouro da Poesia Portuguesa v.11)


DUETO ETERNO

É quando me agarras as palavras 
pela cintura
e me envolves na dança de um poema 
que me desarmas.

Em tom de tango
contornas-me o corpo
e resgatas-me a alma
num movimento sublime e intenso.

O fado dos teus lábios nos meus
é o dueto eterno em que navegamos 
neste rio onde te recebo ao sabor da lua.

Tenho sede de ti.
Seca-me a voz quando te respiro
e te sinto ancorado 
naquele miradouro à procura de nós.

Não me deixes agora,
devolve-me a esperança 

de encontrar aquilo que fomos
e juntos despertarmos o abraço,
o beijo e o prazer de sermos um só.
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NESTE TEMPO QUE É SÓ MEU

Abraçar a natureza 
é como nos encontrar 

É ter 
o sol, o ar, a água e a terra 
na ponta dos dedos

É 
usarmos os sentidos  
embalar o mar
sorrir com as estrelas 
e respeitar a terra

Neste copo 
(que já vai a meio) 
encontro 
as minhas dores 
e as minhas alegrias
Estou capaz de dizer 
ao mundo  
que este tinto 
sou eu

Vou 
driblando o fogo 
enquanto 
o pensamento se extravia 
para um lugar 
com raízes profundas
para onde os pássaros 
cantam 
e rasgam 
o céu sem medo
para onde se parou 
a verdade do sustento
ao deixar os cachos secos 
na parreira 
e a azeitona por apanhar

São outros os tempos
a correria 
do que vem depois de amanhã 
leva-nos a esquecer 
o que é importante 
hoje

É assim 
que se envelhece
é assim que se aprende 
a vida 
neste tempo que é só meu.
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PONTES

Existem ausências que incomodam 
a capacidade de entender o acaso. 
Existem caminhos
que se revelam felizes 
mas que demoram, 
o tempo tão certo, 
como qualquer destino. 
As pontes
mantêm- se agarradas  à memória, 
como se algo fizesse parar o tempo 
quando te penso. 
Talvez no dia que nos quisermos 
seja abraço apertado em silêncio 
ou mar galopante em areal esquecido. 

O horizonte
é sempre um corpo apetecido, 
quando o luar brilha nos teus olhos 
e o vinho aquece o peito.
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QUANDO SURGE O POEMA

Quando te percebo
desenhado 
no negro da madrugada
renasço do brilho do luar,
que me encanta,
qual magia atiçada de palavras.
É aí que surge o poema,
emaranhado de palavras
desnorteadas e um tanto loucas
como este amor que sinto por ti.

Quando te encontro
no enlace 
dos meus versos,
aconchego-me num abraço
forte de sentidos,
carregado de sentimentos,
como um molho de rosas vermelhas
com a cor dos teus beijos.

Consinto então,
nesse preciso momento,
que me tomes tua
nas garras da noite.
E me devolvas o brilho
com o sorver 
deste néctar encorpado
embriagando-te de mim
embriagando-me de ti
até à última gota do nosso olhar
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TUDO É POESIA

Asas brancas e mãos cheias de silêncio
Deixam a minha pele nua de ti
Tudo é poesia em lábios secos
Tudo é madrugada em folha de papel
São searas como lençóis 
Terra afortunada pelo teu olhar
Triste é a videira despida
Que geme ao sabor do vento
Onde se cansa a olhar a serra
Deixando que o futuro chegue
E recomece o ciclo da vida
Em cada dia 
Um por do sol que me embala
Em escassos momentos 
Um sorriso teu

Respiro cada bolha com aroma a baga

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