quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Vereda da Poesia = 108


Trova de
GODOFREDO MENDES VIANA
São Luís/MA (1878 – 1934)

A todos respeito e ensino
a minha definição.
O beijo é o til pequenino
da palavra coração.
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Poema Indígena de
PAULA BELMINO
Lagoa Nova/RN

Sangue de Índio

Sou filha de índio
Aprendi com eles a dançar
Na luta pela mata virgem
Pela floresta livre a passear
Tenho seu sangue
Guerreiros sempre a lutar
Cantam e seus males espantam
Assim com eles vivo a cantar
Sou filha de índio
E os animais são meus companheiros
Amo a natureza
E a ela tenho por minha mãe
Planto, reciclo, não derrubo as árvores,
Alimento-me do suor de minha mão
Sou filha de índio
E respeito a diversidade
Faço barulho pra alegrar a vida
Num ritual de felicidade
Sou pintura e riso
Sou cultura em qualquer parte
Sou filha de índio
Sou beleza, cor e arte.
O sorriso é minha arma
Ecoando pelos quatro cantos do mundo
Na dança de amor pelo futuro.
Não esquecendo as raízes
Quero uma terra sem sangue,
Em paz! Homens felizes!
Sou filha de índio
Meu sangue é deles
E por eles existo e vivo
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Trova de
MARIA VERGÍNIA GONÇALVES
Maringá/PR

A beleza e o dinheiro
acentuam diferenças:
o segundo é o primeiro
a provocar desavenças.
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Soneto de
VICENTE DE CARVALHO
Santos/SP (1866 – 1924)

Velho tema (IV)

Eu não espero o bem que mais desejo:
Sou condenado, e disso convencido;
Vossas palavras, com que sou punido,
São penas e verdades de sobejo.

O que dizeis é mal muito sabido,
Pois nem se esconde nem procura ensejo,
E anda à vista naquilo que mais vejo:
Em vosso olhar, severo ou distraído.

Tudo quanto afirmais eu mesmo alego:
Ao meu amor desamparado e triste
Toda a esperança de alcançar-vos nego.

Digo-lhe quanto sei, mas ele insiste;
Conto-lhe o mal que vejo, e ele, que é cego,
Põe-se a sonhar o bem que não existe.
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Trova Premiada em Blumenau/SC, 2016

MYRTHES MAZZA MASIERO
São José dos Campos/SP

Mulher e mãe! Que mistura!
Cuidados mil pelos seus...
Zelo, amor, doce ternura,
obra perfeita de Deus!
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Poema de
WISLAWA SZYMBORSKA 
Kornik/Polônia (1923 - 2012)

Álbum

Na minha família ninguém morreu de amor.
Se alguma coisa houve não passou de historieta.
Tísicas de Romeu? Difterias de Julieta?
Alguns envelheceram até ganhar bolor.
Ninguém a definhar por falta de resposta
a uma carta molhada e dolorosa.
Apareceu sempre por fim algum vizinho
com lunetas e uma rosa.
Ninguém a desfalecer no armário de asfixia
de algum marido voltando sem contar.
E os mantos e os folhos e as fitas de apertar
a nenhuma impediram de ficar na fotografia.
E nunca no espírito satânico de Bosch!
E nunca pelos quintais de arma em punho!
De bala na cabeça teve a morte outro cunho
e em macas de campanha alguém os trouxe.
De olheiras fundas como após a grande folia,
até esta aqui de carrapito extático,
se fez ao largo em grande hemorragia
mas não por ti, ó bailarino, e com viático.
Talvez antes do daguerreótipo, alguém,
mas nos deste álbum, ninguém, que eu verifique.
Tristezas dissiparam-se, os dias sucederam-se,
e eles, reconfortados, sumiram-se de gripe.
(Tradução: Júlio Souza Gomes)
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Trova Popular

Por te amar perdi a Deus,
por teu amor me perdi,
agora vejo-me só,
sem Deus, sem amor, sem ti.
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Soneto de
GILSON FAUSTINO MAIA
Petrópolis/RJ

Primavera 

Então ela chegou mostrando as cores, 
transformando a tristeza em alegria, 
trazendo borboletas, poesia, 
suavizando o encontro dos amores. 

Aqui e ali, já estão brotando as flores, 
e os passarinhos, ao raiar o dia, 
no pomar fazem sua sinfonia. 
Vibrem poetas, cantem trovadores! 

Modifica-se, inteira, a natureza. 
A musa mostrará sua beleza 
e o jovem perderá seu coração. 

O sol irá brilhar mais claro agora! 
Capim novo, refaz-se a nossa flora, 
há mais vida no ar e em nosso chão.
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Trova de
CECIM CALIXTO
Pinhalão/PR (1926 – 2008) Tomazina/PR
 
É verdade, neste inverno,
vou dar tudo a quem não tem,
porque sei que para o inferno
nunca vai quem faz o bem.
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Poema de
JONAS ROGÉRIO SANCHES
Catanduva/SP

Semeaduras de Amor e Sangue

Sulquei a terra e ali plantei
sonhos, sangue e lágrimas;
depois de um tempo eu colhi
mil flores de cores áridas.

Semeaduras de almas inocentes
onde o amor foi a semente,
onde a dor foi o adubo
que fez crescer perdão na gente.

Terras de arados tão febris
que alimentam paixões pueris
que atormentam o trovador
que resolveu morrer de amor.

Terras plantadas, flor que condiz
na madrugada seu olor matiz,
noite enluarada e uma cicatriz
no peito que mata o amor motriz.

Plantei meu sangue pelos terreiros
desse sertão tão meu, brasileiro;
colhi meus sonhos tão inconsequentes
e fui feliz amando a minha gente.
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Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Bonita, pobre e sacana
é a nova mulher do Ernesto.
Do velho, só quer a grana
e, do filho dele... o resto!
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Soneto de 
CLÁUDIO MANOEL DA COSTA
Mariana/MG, 1729 – 1789, Ouro Preto/MG

VIII

Este é o rio, a montanha é esta,
Estes os troncos, estes os rochedos;
São estes inda os mesmos arvoredos;
Esta é a mesma rústica floresta.

Tudo cheio de horror se manifesta,
Rio, montanha, troncos, e penedos;
Que de amor nos suavíssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.

Oh quão lembrado estou de haver subido
Aquele monte, e as vezes, que baixando
Deixei do pranto o vale umedecido!

Tudo me está a memória retratando;
Que da mesma saudade o infame ruído
Vem as mortas espécies despertando.
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Trova de
JOUBERT DE ARAÚJO E SILVA 
Cachoeiro do Itapemirim/ES, 1915 – 1993, Rio de Janeiro/RJ

A aliança é um elo sagrado,
mas quando o amor morre cedo,
lembrando um sonho acabado,
é um zero enfeitando o dedo...
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Poema de
INGMAR HEYTZE
Utrech/Holanda

Trabalho Noturno

O tic-tac do despertador. O sussurro da caldeira.
O fremir do frigorífico quando liga e desliga.
Os batimentos da chuva contra a janela.
A escuridão apodera-se de nós.

 O sono entrega o coração e a respiração
ao ritmo da noite.
A alma a secar calmamente pendurada
nas suas cordas branco-prateadas.

A manhã inverte os papeis.
O barulho do chuveiro. O apito da chaleira.
O café a gotejar. A escuridão
esconde-se nas cortinas

e espera, e espera, apenas espera e,
espera.
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Trova de
ROBERTO C. DA MOTTA
Natal/RN

Cuidemos nós, da beleza,
também da preservação,
das coisas da natureza,
para os outros que virão.
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Soneto de
BASTOS PORTELA
Recife/PE, 1890 – 1956

Esplendor efêmero

És moça e bela. Assim, hoje pões e dispões;
E, feliz, num requinte fátuo de vaidade,
Vais pela vida, altiva, a esmagar corações...
Nada encontras no amor que te amargure ou enfade!

Mas, quando, um dia, enfim, atingires a idade
Em que se perdem, para sempre, as ilusões,
Tu me dirás, então, o que é sentir saudade
E o que é chorar no horror de longas solidões...

A beleza desfeita, humilde, decadente,
Serás a flor que, num jardim, murcha e descora,
Ao crepúsculo azul da tarde, mansamente...

E vendo-te passar, como os fantasmas, eu...
Eu sofrerei, talvez, como quem lembra ou chora
Uma bela mulher que se amou, e morreu!
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Trova Premiada em Blumenau/SC, 2016

PLÁCIDO FERREIRA DO AMARAL JÚNIOR
Caicó/RN

Tua vida em nossas vidas
é um porto de acalantos.
Teus cuidados são guaridas
onde eu ancoro os meus prantos.
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Poema de
FERNANDO NAMORA 
Condeixa-a-Nova/ Portugal, 1919 – 1989, Lisboa/Portugal

Poema para Iludir a Vida

Tudo na vida está em esquecer o dia que passa.
Não importa que hoje seja qualquer coisa triste,
um cedro, areias, raízes,
ou asa de anjo
caída num paul. 

O navio que passou além da barra
já não lembra a barra.
Tu o olhas nas estranhas águas que ele há de sulcar
e nas estranhas gentes que o esperam em estranhos portos.
Hoje corre-te um rio dos olhos
e dos olhos arrancas limos e morcegos.
Ah, mas a tua vitória está em saber que não é hoje o fim
e que há certezas, firmes e belas,
que nem os olhos vesgos
podem negar.
Hoje é o dia de amanhã.
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

A vida nem sempre é encanto; 
para alguns é injusta e inglória... 
– Quanta gente corre tanto, 
porém perde o trem da história!
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Quadrão em Oito* de
LACERDA FURTADO**

Quadrão para Joaquim Batista de Sena

Namorando a Salomé, 
Vi a barca de Noé, 
Palestrei com Josué, 
Com Jacó e Salomão; 
Travei luta com Sansão, 
Nadei no delta do Nilo, 
Montado num crocodilo, 
Cantando os oito em Quadrão!
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Trova da Princesa dos Trovadores 
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Sussurrando com ternura,
prova a fonte, sem revolta,
como é possível ser pura,
mesmo tendo lama em volta.
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Hino de Jaraguá do Sul/SC

Entre montes te vejo engastada,
Marginando corrente prateada...
Vibra um povo querendo progresso,
Crescimento, trabalho e sucesso.

Jaraguá do Sul és vibrante,
Não haverá quem te suplante,
Teu povo alegre e varonil,
Tem por lema: Avante Brasil.

De teus campos abertos em flor,
Da indústria a todo vapor,
Brotam rios de riqueza a sorrir.
Para o dia de amanhã que surgir.

Teu brasão tem o verde: é esperança,
O vermelho, este povo que avança.
Ao lufar da bandeira marchamos
Pela terra que é nossa e que amamos.
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Trova de 
WALDIR NEVES 
Rio de Janeiro/RJ (1924 – 2007)

Saudade!... foto em pedaços
 que eu colei com mão tremida,
 tentando compor os traços
 de quem rasgou minha vida...
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Poema de
LUCI COLLIN
Curitiba/PR

Dor mesmo

dor mesmo nem tanto a incisiva
- surpresa da faca na pele –
intensa dor mas reversível
ferida que enfim cicatriza

dor mesmo é aquela miúda
dor sempre que não envelhece
lateja esta dor – a mais funda –
de um ontem que nunca se esquece
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Trova de 
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

O poeta é um fingidor.
finge tão completamente,
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente!
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

A raposa e o busto

Era um busto famoso, um todo teatral...
Por entre a multidão, o burro, esse animal
Que não sabe julgar senão as aparências,
Gabava da escultura as raras excelências.

A raposa, porém, um tanto mais sabida,
Aproxima-se e diz: «Não vi, por minha vida,
Cabeça tão perfeita!... É mágoa verdadeira
A falta que lhe faz lá dentro a mioleira!»

Aos centos, pelo mundo, os homens conto
Que são bustos perfeitos neste ponto.
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* QUADRÃO EM OITO
Ao longo do tempo, o Quadrão tem sido o gênero a receber o maior número de alterações, não só na sua forma interna, mas, também, na estrutura das estrofes, em geral. O Quadrão antigo é formado por uma estância de oito linhas, pertencente à família dos setessílabos, rimando o primeiro verso com o segundo e o terceiro; o quarto com o oitavo, e o quinto com o sexto e o sétimo, contando, no final, o estribilho de sua denominação. O Quadrão em oito apareceu com ligeira modificação na sua forma interna, isto é, o quarto verso que rimava somente com o oitavo passou a rimar também com o quinto. (http://www.bahai.org.br/cordel/generos.html)

Após modificações no universo multifacetado da cantoria, os Quadrões foram incluídos nas Décimas e hoje temos quatro modalidades deste gênero com dez pés, todos mantendo o estribilho na última linha das estrofes.  Além dos cantadores Antônio Batista Guedes, Simplício Pereira da Silva e Manoel Furtado, os saudosos irmãos Batista (Dimas, Lourival e Otacílio), foram os grandes mestres deste estilo especial de cantoria, inclusive tendo sido (os Batista) os criadores do famoso “Quadrão Perguntado”, que recebeu esta denominação por ser uma espécie de diálogo constituído de perguntas e respostas intercaladas, obedecendo a métrica e a rima, pelos dois cantadores. (Fonte: Lilian Maial ) 

** Lacerda Furtado = não encontrei dados de nascimento e/ou morte deste poeta. Se alguém souber, favor me enviar para atualizar no blog.
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