quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Vereda da Poesia = 119 =


Trova de
CARMEN PIO
Porto Alegre/RS

A rima é como balanço,
 das águas verdes do mar,
 é harmonia que alcanço,
 na beleza do trovar.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de
VALÉRIA BRAZ
Florianópolis/SC

Fronteiras da vida

Vejo multidões desembarcarem
De um voo que não é eterno
Com seus corações vagando
Em dúvidas...

Seus pés percorrem
Os caminhos da incerteza
Seus corpos se entregam ao cansaço
Mas seus olhos vívidos e alegres...

Afinal são tantos os sonhos
Que ainda vão desvendar
Mal sabem que desembarcaram
Na mais extravagante
E inusitada estação
A vida!

Ela que nos faz
Vibrar de emoção
Lutar para não cair
Sorrir ao entardecer
Sonhar ao anoitecer
Acordar ao amanhecer...

Mas um dia a viagem
Chega ao fim
Tomamos um voo
Sem data de volta
E levamos tudo
Em fotografia mnemônica
Das lutas e alegrias
Da viagem as fronteiras da vida!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Humorística de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Coitado do Zé Maria:
a mulher quase o esfola,
pois voltou da... pescaria...
co'um biquíni na sacola...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de
PADRE ANTONIO THOMAZ
(Padre Antônio Thomaz Lourenço)
Acaraú/CE, 1868 – 1941, Fortaleza/CE+

Contraste

Quando partimos no verdor dos anos,
Da vida pela estrada florescente,
As esperanças vão conosco à frente,
E vão ficando atrás os desenganos.

Rindo e cantando, célebres, ufanos,
Vamos marchando descuidosamente;
Eis que chega a velhice, de repente,
Desfazendo ilusões, matando enganos.

Então, nós enxergamos claramente
Como a existência é rápida e falaz,
E vemos que sucede, exatamente,

O contrário dos tempos de rapaz:
– Os desenganos vão conosco à frente,
E as esperanças vão ficando atrás.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
ABIGAIL SAMPAIO
Paracuru/CE

Lenços brancos acenando
no instante da despedida
adeus nos dizem, roubando
metade da nossa vida.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de
ADA CIOCCI CURADO
Jardinópolis/SP 1916 – 1999 Goiânia/GO+

Ode à Palavra

O tempo jamais conseguirá desfazer
a essência de tua fortaleza,
já que és do cosmo absoluto

e
da troca de idéias entre os homens,
o fundamento.
E, ainda que,
bastando-se,
e,
infinitamente sendo tu,
realidade,
verdade,
ciência,
alma,
corpo,
dogma,
mito,
e,
não tendo infinito,
ocupas lugar primeiro,
na VIDA
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Popular

Há umas espécies de plantas
que vingam sem ter raízes...
Assim são certos sorrisos
nos lábios dos infelizes.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Vidas

Nós vivemos num mundo de espelhos,
mas os espelhos roubam nossa imagem...
Quando eles se partirem numa infinidade de estilhos
seremos apenas pó tapetando a paisagem.

Homens virão, porém, de algum mundo selvagem
e, com estes brilhantes destroços de vidro,
nossas mulheres se adornarão, seus filhos
inventarão um jogo com o que sobrar dos ossos.

E não posso terminar a visão
porque ainda não terminou o soneto
e o tempo é uma tela que precisa ser tecida...

Mas quem foi que tomou agora o fio da minha vida?
Que outro lábio canta, com a minha voz perdida,
nossa eterna primeira canção?!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
ABÍLIO MARTINS
Ipu/CE

Tantos encantos encerra.
O beijo, é coisa tão boa,
quem não dá beijo na terra,
Deus lá no céu não perdoa.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de
RACHEL DE QUEIROZ
Fortaleza/CE, 1910 – 2003, Rio de Janeiro/RJ

Telha de Vidro

Quando a moça da cidade chegou,
veio morar na fazenda
na casa velha...
tão velha...
quem fez aquela casa foi seu bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
Mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha..a.
A moça não disse nada;
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro,
queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...

Agora
o quarto onde ela mora
e o quarto mais alegre da fazenda.
Tão clara que, ao meio-dia, aparece uma renda
de arabescos de sol nos ladrilhos vermelhos
que, apesar de tão velhos,
só agora conhecem a luz do dia...

A lua branca e fria
também se mete às vezes pelo claro
da telha milagrosa...
ou alguma estrelinha audaciosa
carateia no espelho onde a moça se penteia...
Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta, fria,
sem um luar, sem um clarão...
Por que você não experimenta?
A moça foi tão bem sucedida?
Ponha uma telha de vidro em sua vida!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Diz ao dançar, enfadonha:
- Você sua !!! ... O Zebedeu,
bem caipira e com vergonha,
diz baixinho: – Vô sê seu !!!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de 
ANTÔNIO OLIVEIRA PENA
Volta Redonda/RJ

Curso d’água

Serve ao amigo, e mesmo ao inimigo,
e a Deus é que estarás servindo então;
dedica-te ao amor, de coração,
de maneira que estejas bem contigo!

No rosto abre um sorriso, dando abrigo
ao semelhante, e canta uma canção
cujos versos despertem a emoção —
canção da tua vida, meu amigo!

Não te exasperes nunca, sê paciente;
e constante, e honesto, e sê fiel
a tudo o que o espírito procura.

Seja a tua existência, sob o céu,
qual curso d’água fresca e transparente,
matando a sede a toda a criatura…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
ANA MARIA DO NASCIMENTO
Aracoiaba/CE

Para não ver meu amor
vagar no mundo tristonho,
resguardei-o com primor
numa redoma de sonho.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de
MÁRCIO CATUNDA
Fortaleza/CE

Elegia para José Alcides Pinto

Quando foi que rodopiaste ria catástrofe,
exorcista, dervixe dos dragões?
Quando nos demos o último abraço,
forjador de diabruras?
Místico desesperado,
quanto aprendi contigo!
Tua irreverência, tua marginalidade,
teu dom de transmitir sentimento.
Demônio iluminado,
o látego das horas te fustigava!
É que a vida te desafiava como uma trincheira.
O dispensário, o manicômio, as harpias,
tudo te obrigava a renunciar.
No entanto, insistias no ofício martirizante.
Nenhum discípulo esteve, como eu,
agrilhoado à terra em declínio.
Nenhum riu tanto contigo dos puritanos cínicos;
nem zombou da glória conquistada com festins,
nem abominou tanto os relógios de ponto
e a deslealdade.
Andei na tua trilha de eleito,
amolador de punhais.
A fatalidade foi a tua última travessura.
Peripécia trágica, na angústia do momento final.
Quanta vez me falaste da terrível abjeção!
Onde quer que estejas,
espera: irei à tua procura!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Funerária Cigana

Da terra voaste ao céu,
pra gozar a claridade:
– Pede, esposo, ao criador,
tenha de mim caridade.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de 
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Malogro

Intenta extravasar-se em verso ardente
a ânsia do sentir. Impetuosa...
Mas vejo que a palavra é impotente
e tem veracidade duvidosa.

Versos apócrifos — são meu presente
ao papel onde quero, em verso ou prosa,
retratar a minha alma, ardentemente,
da forma como em mim apoteosa.

Tortura-me, no entanto, a rima ausente...
Outro canto, outra luz, inutilmente
vou tenteando em minha busca ansiosa.

Descubro que querer tornar patente
este universo que há dentro da gente
é uma ação sempre falha e lacunosa.,.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
DULCÍDIO DE BARROS MOREIRA SOBRINHO
Juiz de Fora/MG

Quando me sinto estressado,
fugindo da realidade,
vou do presente ao passado
pelo túnel da saudade.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de 
KIDENIRO TEIXEIRA
(Kideniro Flaviano Teixeira)
Ipueiras/CE, 1908 – 2008, Santa Quitéria/CE+

A minha mestra     

          "Possa ao menos sentir tua presença
          nestes versos que escrevo, amargurado,
          ante a profunda, ante a sombria e imensa
          saudade de teu vulto idolatrado."
                    Homero de Miranda Leão

 Foi minha mãe a minha Mestra
que me ensinou a ler, em nosso humilde ninho;
eu era um menininho,
uma criança...
De minha mãe, exímia trovadora,
é de quem guardo esta divina herança.

Recordo agora,
que a sua voz se erguia,
branda e sonora,
como se fosse um sino
tangendo na alvorada fria
do meu Destino:

- Lê! Estuda! Lê, menino!
Era este o heróico estribilho
de cada dia:
- Lê! Estuda! Lê, meu filho!

Como era bela a minha Professora,
no seu vestidinho branco!
O coque alto, olhos castanhos
e esguias mãos da Virgem Redentora!
 
Somente agora sinto, e guardo, e tranco
no peito esta saudade imorredoura,
como se ouvisse. ainda. a sua voz sonora:
- Lê! Estuda! Lê, meu filho!

E eu que jamais velara o meu Destino,
quanto sofro e me deploro
para cantar minha procela...

E nem sabia, que um dia,
eu sentiria,
tanta saudade dela!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Ao cérebro, o coração 
manda amorosa mensagem: 
– Somente unidos, irmão, 
seremos de Deus a imagem!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de
HEGEL PONTES
Juiz de Fora/MG (1932 – 2012)

Amor adolescente

Esta noite, meu bem, foi tão comprida
e tão sem graça foi a madrugada,
que eu senti que você é minha vida
e a vida sem você não vale nada.

Mas é tarde demais. A despedida
é como a pedra que já foi lançada:
mesmo partindo da pessoa amada,
nunca mais poderá ser recolhida.

Tudo acabado: os sonhos que sonhei,
seu amor, seu carinho e seu desvelo…
E esta noite, meu bem, foi tão comprida,

que dei graças a Deus quando acordei
e percebi, após o pesadelo,
que entre nós dois nunca houve despedida.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Esta penumbra... Este frio,
este agora sem porquê...
Este silêncio vazio
é o meu mundo sem você!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Hino de 
Nova Tebas/PR

Entre vales e a planície verdejante
Na região mais fecunda que há
Nova Tebas cresce altiva e pujante
Para orgulho deste povo do meu Paraná
Já nasceste com um destino grandioso
E as bênçãos de São Pedro teu protetor
É tão rico o teu solo generoso
Onde a prece permanente é o labor

(Estribilho)
És celeiro a brotar riquezas mil
Neste recanto feliz do meu Brasil
Nova Tebas minha vida é bem querer
Sou teu filho e só por ti quero viver

A riqueza dos teus verdes cafezais
E a beleza destes rios a irrigar
O ouro branco de teus algodoais
Ornamentam estas glebas que eu sempre hei de amar
Ser teu filho para mim é uma glória
Que será eterna em meu coração
Siga firme pela estrada da vitória
Nova Tebas meu querido torrão.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Humorística de 
JOSÉ AUGUSTO RITTES
Atibaia/SP

Um amigo biologista,
perito em meio-ambiente,
inclui sogra em sua lista,
como fator poluente!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Cordel de 
TICIANA SALES
Fortaleza/CE

Cordel de cearense

Em um tempo de fartura
O sertão hoje é guia
O contraste da labuta
Ainda existe, é primazia.

Há quem acredite no discurso
Que o sul a ele prometeu
Ôh sertão não chore não
Nessa terra de meu Deus.

Toda seca se transforma
A gaivota um dia volta
Pra essa terra abençoada
De cantoria e gente que não falta.

O nordeste venceu a seca
Quem disse que no sul ela não chega
A rachadura não é seu fim
Triste de quem pensar assim.

Nordeste de gente trabalhadora
Intelectuais que não precisam de apresentação
José de Alencar e Patativa do Assaré
Nomes graúdos e cheios de boa fé.

Nordeste não é sinônimo de seca
No sertão, água também lá chega
A cheia atravessa o luar
Vindo dos céus e não encontra o mar.

Tomara que toda gente saiba
Que o nordeste não é calamidade
Aqui tem gente de muita coragem
Que sobrevive além da miragem.

Cearense de povo apaziguador
Nas veias, trazendo o humor
Um dia desses deram uma vaia pro sol
Tangeram a seca, buscaram orós!

Eu como boa cearense que sou
Demonstro meu profundo e louco amor
A essa terra que milagre faz
Ceará, nordeste, sertão nunca mais!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de 
GISELDA DE MEDEIROS
Bela Cruz/CE

O teu adeus, mesmo em sonho,
me aniquila de tal sorte
que, estando viva, suponho
estar nos braços da morte!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O depositário infiel

Um que traficava em ferro,
Indo meter-se a caminho,
Deu a guardar a um vizinho
Vinte barras, salvo erro.

Voltando breve, reclama
O ferro com modos gratos;
O marau — que seu lhe chama —
Diz que o roeram os ratos.

Crer na léria mal traçada
Finge o do ferro, patrão,
Pois logo a levou fisgada
Em dar ensino ao ladrão.

Não sofro patifarias!»
Disse ele lá para si.
Deixou passar alguns dias,
Não sei quantos; — vai daí,

Tendo apanhado e escondido
Do vizinho um filho coxo,
Diz-lhe que ele tinha sido
Engolido por um mocho.

«Pode lá ser!... Nisso há erro!
Não quero crer no que avanças!
— Onde ratos roem ferro,
Mochos engolem crianças!»

E o que quis ferrar o mono,
Para ter o filho à mão,
Deu logo o ferro a seu dono,
Aproveitando a lição.

Nenhum comentário: