segunda-feira, 9 de julho de 2012

Manuel Bandeira (50 Poemas Escolhidos Pelo Autor)


Artigo por Ana Lúcia Santana

50 poemas escolhidos pelo autor”, de Manuel Bandeira, não é uma mera antologia, mas uma seleção de poemas realizada pelo próprio autor em 1955. Contém, portanto, os melhores e mais inspirados momentos do poeta em sua trajetória literária. Bandeira recortou em sua obra o que há de mais representativo e essencial na sua produção.

50 Poemas Escolhidos Pelo Autor – Manuel Bandeira – Cosac Naify – São Paulo – 88 pp. – Acompanha CD.

Este trabalho foi empreendido pelo autor a pedido de José Simão Leal, responsável pela edição da coleção “Os Cadernos de Cultura do MEC”. Mas o poeta não encarou esta oportunidade como uma encomenda, e sim como um meio de reafirmar a unidade de sua obra e nela destacar a essência, compondo assim nesta versão um todo renovado, que ganha uma nova significação. Não se encontra nesta obra nenhum poema de sua fase parnasiana. Pelo contrário, ele ironiza este momento de sua poética com o eterno “Os Sapos”, que provocou frissom na Semana de Arte Moderna, em 1922, e não por acaso abre esta publicação.

O poeta passeia pelos temas comuns à sua poesia – crítica ao Parnasianismo, o erotismo, a morte, religião e o Recife de sua infância. Eros e Tanatos estão sempre presentes no cerne das preocupações do autor. Ora aparentemente em conflito, como em “A Dama Branca”, ora confundindo-se no poema como se fossem ambos uma coisa só, tal como no “Rondó dos Cavalinhos”.

A morte se oculta sob a face do tempo e traz consigo o aprendizado, em poemas como “Canção do vento e da minha vida”, e a vida infinita, presente nos versos de “Maçã”. Não somente os corpos encontram seu fim nos braços da Morte, mas também os dias, a infância, casas e ruas antigas, personagens freqüentes na poesia de Manuel Bandeira. É o que se percebe nos poemas “Evocação do Recife”, “Profundamente” e “Última Canção do Beco”, entre outras. Ao mesmo tempo, a morte assume outros significados, como o mergulho no nada, um “morrer completamente”, sem deixar rastros, “A Morte Absoluta”.

A esfera do sagrado atrai o poeta. Reflexões sobre a transcendência da vida, sobre anjos e arcanjos – como no poema “Eu vi uma Rosa” – perpassam sua obra como uma corrente de energia que a vitaliza e estabelece um certo equilíbrio entre o profano e o sagrado. Muitos desses poemas retratam também a religião do ponto de vista da cultura popular, enfocando este tema sob a ótica do tão celebrado sincretismo brasileiro. É o caso de “Os Sinos” e “Boca de Forno”.

A solidão do homem destaca-se também na poesia de Bandeira, sinalizando a condição humana como a de um ser exilado, embora no caso do poeta esta sensação seja a de um exílio no tempo, uma vez que este o distanciou dos personagens e cenários de sua infância, criando no mesmo espaço uma paisagem diferente, que ele não mais reconhece. È em suas lembranças que o poeta reencontra a vida palpitante, a perenidade de suas experiências afetivas. “Marinheiro Triste” e “Eu vi uma Rosa” são exemplos desses poemas perpassados pelo insulamento.

Esta obra tecida delicadamente pelas mãos do poeta é rematada por um Posfácio à edição, de Augusto Massi e Carlito Azevedo – “Manuel Bandeira, Intérprete de Si Mesmo”. Nele os autores definem antologia poética como “um gênero antigo e arbitrário”, e destacam a importância de saber incluir com coerência e excluir com rigor. Manuel Bandeira foi com certeza um mestre nessa arte, pois sabia como ninguém realizar a mais perfeita bricolagem poética, o que se pode perceber com clareza em um poema intitulado “Antologia”, de 1965, incluído neste Posfácio, no qual Bandeira extrai cada verso de um poema diferente. O poeta o define como um poema construído “com versos ou pedaços de versos” mais marcantes para ele, que também poderia ser lido como um poema autônomo por quem nada conhecesse de sua obra. Assim como esta antologia pode ser igualmente considerada, de certa forma, como uma publicação independente, tal a sua lógica própria. 

  Manuel Bandeira praticamente especializou-se em antologias, desde obras-primas da poesia brasileira, superando as fronteiras das estreitas classificações por períodos, até as de autores, dedicando-se depois a reorganizar constantemente sua própria obra, revelando-se seu mais acurado “leitor”. Para ele, é possível lançar um olhar para o passado e resgatar o que há de essencial, criando para a posteridade uma imagem ideal, sua desejada “mitologia pessoal”. Além disso, reunidos neste volume poemas antes dispersos em outras publicações, é possível flagrá-los em diálogo renovador, gerando entre eles laços originais.

Ler esta antologia e poder complementar a compreensão de seus poemas e a relação entre eles através da audição do CD que o acompanha, possibilita ao leitor-ouvinte se aprofundar no conhecimento do poeta e de sua obra, bem como surpreender faces desconhecidas de Manuel Bandeira, ampliando assim a visão muitas vezes restrita que se tem do poeta. 

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