segunda-feira, 9 de julho de 2012

Jota Jota Souza (Paredes da Solidão)


Esta é a história de um homem lá do meu pedaço de chão. A história do homem que entrou dentro de si mesmo e nunca mais saiu. Antes, cuidadosamente olhou em volta. Não por receio ou medo. Apenas para certificar-se de que nada esqueceria do lado de fora. E fechou a porta assim como se fecha uma residência e esta com o tempo passa a guardar tão somente lembranças de quintais, passos e risos de crianças, cheiro bom de fruta madura, bicar de pássaros na fruta, vôos de colibris, lembranças de amantes.

 Ao travar a porta, muito jovem era ainda. E assim o tempo foi passando, passando, passando. E implacável é o tempo em seu curso. Tanto que, sem saber de quanto o tempo havia passado, ao tocar vagarosamente as mãos sobre a epiderme do rosto sentiu ondulações. Eram as rugas denunciando a implacabilidade do tempo e muito desconfiado só murmurou: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo!

 Não! Não ousou, como é desejo contido no homem desde os primórdios fazer com este tempo pacto algum. Não quis nenhuma liberdade, não desejou parar o preciso relógio e assim esquivar-se de seus efeitos, isentar-se de pagar o alto preço. Estava certo de sua decisão.

 Não ousava olhar-se no espelho e assim não via seu rosto, o cabelo longo, a barba já longa. Ora! Ele era uma casa desabitada a guardar apenas recordações. E recordações só no espelho d’alma refletem. Porém aprendeu; Todas as vezes que tinha curiosidade em consultar o tempo, passava as mãos sobre a epiderme do rosto e só murmurava: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo!

 Numa distante ocasião, ousou abrir um pouco a janela. Uma fresta suficiente para uma espiada. E sorriu ao ver que aquele mundo não lhe era de todo estranho. -Tudo tão igual!- Entes conhecidos, familiares até, no ir e vir que ele abdicara. Boca a salivar desejou os tenros umbus que envergavam os galhos dos verdejantes umbuzeiros da quinta em frente. Cavalos e homens desfrutavam sem pressa da sombra de frondosos tamarindeiros. Uma formosa senhora a passos lentos rumava para a rua da feira. Estreitou ainda mais a fresta. Seria a amada? A razão daquele silêncio? Porém, sorrindo das caretas das crianças com o azedo tamarindo fechou-se novamente, só murmurando: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo!

 Embora tudo o que viu fosse uma espécie de convite para abrir a janela, escancarar a porta, deixar o Sol de intenso brilho entrar e aquecer as frias paredes (do coração), ele não cedeu. Bateu a janela e se viu novamente dentro de si mesmo. E o tempo passando, passando, passando. E implacável é o tempo em seu curso! Certo dia sentindo um estranho cansaço, desconfiado do tempo passou as mãos pela epiderme do rosto. Era como se camadas de musgos tomassem todas as paredes. Fez um intenso frio. -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo! - Murmurou. Agora segurando por minutos a epiderme do rosto. Saiu para abrir um pouco da janela e com um acre sabor na boca, peito ofegante e olhos estupefatos viu pela fresta que não havia tamarindeiros, nem umbuzeiros, nem passos e risos de crianças, cheiro bom de fruta madura, bicar de pássaro na fruta, vôos de colibris. Alongou seu decepcionado olhar de espera e a formosa mulher não passou. As crianças de outrora já homens e mulheres feitos. Dentro das paredes solitárias formou-se o eco: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! ! Teeemmmpo!. Sentiu o intensificar do gélido vento na epiderme, receoso fechou a janela e se viu novamente dentro de si mesmo. Deitado ia murmurar: -Teem... quando ouviu bater à porta: -Toc, Toc, toc... Pensou ser brincadeira de velhos amigos de juventude insistindo para ele abrir e sair e quem sabe acenar-lhes com o real motivo da enigmática solidão. Solidão que a todos ali intrigava. Ficou tentando adivinhar:

 -Tomaz?- Mas ninguém respondia. Ia dormindo e novamente a porta:-Toc, toc, toc.

 -Quem está aí?...É você Salú? E assim por dias este estranho sinal se repetindo sem respostas. E ele: -Cicim? -João? -Indé? -Raimundo de Zefinha? -Daguia? Não se dava conta de que não podiam ser estes velhos camaradas, simplesmente porque os mesmos já eram ausentes.

 Até que um dia ela apareceu-lhe. Implacável e decisiva. Sentiu seu hálito gélido e imperativo. E como se desta já estivesse à espera, só murmurou: -Teeemmmpo! Teeemmmpo! Teeemmmpo! E profundamente dormiu.

 Agora para sempre.

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