quinta-feira, 12 de maio de 2022

Carolina Ramos (Poesias Esparsas) 4

BUMBA-MEU-B0I

(Auto nordestino)


O Tio Mateus... Catirina...
o Rei... Doutor... e o Vaqueiro,
três violas em surdina:
- Bumba meu Boi - no terreiro!

Capas amplas, fino pano,
saias, calções, cores vivas,
para alegrar o Fim do Ano,
atraem muitos convivas!

As Damas, de longas tranças,
fitas, espelhos brilhantes,
cantam, capricham nas danças,
acompanhando os Galantes.

Espadas de pau cruzadas...
entrechocam-se as figuras!
E as coroas prateadas
nas cabeças, bem seguras!

Fumo e bebida, o Caipora
implora aos espectadores.
E a tristeza vai-se embora,
entre brilhos, sons e cores!

O Boi cansa... arqueja... morre!
E o Doutor o ressuscita...
recomeça o corre-corre,
mais e mais, o povo o incita!

E o Boi pula... e chifra... e dança...
de flor e fita enfeitado.
De medo, chora a criança
e o Boi acaba queimado!

O povo aplaude contente,
mas a música... não cessa!
- Novo Ano vem pela frente...
E um novo ensaio começa!
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A HISTÓRIA QUE A FONTE CONTOU
(Iara - Mãe-d'Água - Folclore amazonense)

A noite, se escutas murmúrios da fonte,
atenta a essa voz cristalina e sonora...
Talvez muita coisa singela te conte,
da Iara que foge, com medo da aurora.

É nívea e formosa! Ninguém pode vê-la
banhar-se na águas prateadas de lua.
Seus olhos fulguram com chispas de estrela,
num brilho que a noite ressalta e acentua!

Os longos cabelos, da cor da esmeralda,
em ondas profusas lhe moldam os ombros,
descendo em cascata de luz pela espalda!
E canta a Mãe-d'Água!... Suspensa em assombros,

Aquieta-se a mata, ao seu canto dolente!
Da Iara... o cantar um soluço parece,
pois, sempre sozinha, tão triste se sente,
que a excelsa beleza parece que esquece!

O Ipê que a observa, grandioso, galhardo,
- qual Príncipe altivo, solícito e louro -
a odiar a raiz que o retém como um fardo,
olvida a altivez... chora lágrimas de ouro!

E quando a alvorada ilumina a floresta,
a Iara mergulha nas águas sombrias...
Só flores do Ipê lacrimoso é o que resta,
flutuando nas águas silentes... macias...

Silêncio!... Ouve atento o murmúrio da fonte
à noite a cantar cristalina e sonora...
- Como esta, quem sabe, outra história ela conte,
das tantas que findam... ao claro da aurora!...
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SER EMÍLIA

Ah! Lobato, bom amigo,
que minha infância enfeitaste...
Os caminhos que hoje sigo,
sem querer, delineaste!

Eu já fui menina arteira,
que brincava com boneca.
- Narizinho reinadeira -
cheia de sonhos!... Moleca!

Tal qual "Pedrinho", eu, também,
pelos campos cavalgava!
Sem caçadas!... Sou do bem...
E amiga da bicharada!

Sem "Pó de Pirlimpimpim",
fiz muita viagem gostosa!
Da cultura sempre afim,
conquistou-me o "Sabugosa"!

Lobato, só coisa linda,
de ti me veio! Portanto,
guardo com ternura infinda,
saudades por todo canto!

E tive um Príncipe, sim!
Lindo "Príncipe Encantado"!
Hoje... tão longe de mim...
para os céus arrebatado...

Já fritei muitos bolinhos,
como "Anastácia" fazia...
E rodeada de netinhos,
agora, com alegria,

sou qual feliz "Dona Benta",
entre anjos vindos do céu,
mas... a paz nenhum alenta,
ao correr de déu-em-déu!...

Lobato... Os teus personagens
- Rabicó, a Cuca, o Anjinho,
a Emília a contar vantagens -
floriram o meu caminho!

E ao ver gente perturbando
os rumos da Pátria nossa,
tal qual Saci "sacizando",
lembro os Pererês da roça!

Os daqui... duas pernas têm...
os da roça têm só uma!
Mas diabruras de ambos vêm...
E... coisa boa?! - Nenhuma!

Ah!... queria ser agora
essa Emília irreverente!
- Bonequinha que não chora,
mas pensa... E diz o que sente!
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CANÇÃO DO SERTANEJO
 
Essa gente da cidade
que respira poluição,
num cunhece a amenidade
desta vida do sertão!

Acordá di manhãzinha,
ouvindo os galo cantá
e o ciscado das galinha
o terrêro a beliscá!

Lavá os óio na bica,
cum água pura, gelada...
e enxugá na luz tão rica
do sol... a cara lavada!

Bebê café adoçado
cum raspa de rapadura,
mais dôce pruquê o roçado
é qui deu a cana pura!

E ao pô a enxada nos ombro,
assoviando alegria,
i buscá cum disassombro,
leite i pão... de cada dia!

Ponhá as semente na cova,
aninhada cum carinho,
"cumo a sabiá desova
suas semente no ninho!"

E, adispois de um tempo, vê,
rasgando a terra, verdinha,
uma esperança de tê
tudo o que a casa num tinha!

Regá cum sangue e suó
tanta esperança querida,
inté que acabe no pó
a foguêra desta vida!

Os boi mascando no pasto,
faiz a nossa inconomia,
trocando o dinhêro gasto,
pur alimento e energia!

Mió que dinhêro atoa,
bâo é tê mantêga i quejo,
carne e pão, linguiça boa,
maió que o nosso desejo!

No fim do dia... a viola,
ponteada cum munto amô,
discansa... cura e consola,
os calo que as mão ganhô!

Ah! Cumo as noite du campo
são cheia de encantamento!
Inté a luiz dos pirilampo
lembra a luiz do firmamento!

De lá, a lua redonda
estendendo um véu de prata,
vai ninando, em sua ronda,
os sonhos verde da mata!

A oiá os fio que cresce...
e a muié qui nois qué bem...
a gente inté que agardece
o qui tem... i o qui nem tem!

Cumo é bom... vê a mininada
correndo em roda, contente!...
E, intão... juro à minha amada:
- Gente da roça... É mais gente!!!

Fonte:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021.
Livro enviado pela autora.

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