terça-feira, 31 de maio de 2022

A. A. de Assis (Adélia, a poeta)

Há pessoas que são mais do que pessoas. Sei lá se é bem isso que estou querendo dizer, mas é mais ou menos isso. Há pessoas que são um pouco mais. Há pessoas que são Adélia Prado. Adiante falarei dela. Primeiro preciso falar da televisão.

Sou grato demais ao cara boa-cabeça que inventou a televisão. Tem gente que bota culpa nela pelo destramelamento dos costumes. Pode ser até que em parte sim. De qualquer modo, acho que ela faz mais bem do que mal. Pelo menos para os velhinhos como eu. Vejo nela um telejornal por dia para acompanhar a história do mundo; vejo todo dia a missa das 18h na TV Aparecida; futebol só vejo quando tem jogo da seleção brasileira. Mas o que curto mesmo é ver filmes na Netflix e na Prime e navegar no Youtube.

Faz pouco tempo tirei uma semana para ver/ouvir uma série de entrevistas da poeta Adélia Prado. Coisa gostosa é escutar conversa de gente inteligente e simpática. Adélia é assim. A gente escuta, escuta e não se cansa de escutar, ainda mais com aquele tão bonito sorriso dela.

A querida escritora nasceu e mora mineira há 88 anos em Divinópolis. Sempre igualzinha. Mudam as modas, mudam os modismos, Adélia continua Adélia. Nada muda nela, que bom que não muda. A mesma mulher independente, alegremente religiosa, corajosa, sábia. Só sai de Minas para de vez em quando ir a algum lugar derramar poesia. Sempre de ônibus, porque tem medo de avião. Sempre adelissimamente simples, espontânea, doce.

Última grande poeta brasileira conhecida, lida, ouvida e aplaudida em todo o Brasil. Não dá para falar aqui de toda a sua lindíssima obra. Dá, porém, para recordar alguns dos seus muitos deliciosos versos. Prepare o seu coração. Escute Adélia:

“Eu quero amar feinho. / Amor feinho é bom porque não fica velho”. “A poesia me pega com a sua roda dentada. / Eu corro ela corre mais, / eu grito ela grita mais, / me pega na ponta do pé / e vem até na cabeça”. “Eu ponho o amor no pilão com cinza e grão / e soco. Macero ele”.

“O reino do céu é semelhante / a um homem como você, José”. “Falo em latim pra requintar meu gosto”. “O que a memória ama / fica eterno. Te amo com a memória imperecível”. “Te alinho junto das coisas que falam / uma coisa só: Deus é amor”. “Não sou feia que não possa casar”. “Eu te amo exatamente como amo / o que acontece quando escuto oboé”. “Meu coração vai desdobrando / os panos, se alargando aquecido, dando a volta ao mundo, estalando os dedos”. “Deus é mais belo que eu. / E não é jovem. / Isto sim, é consolo”. “Nem me adiantou envelhecer, / partes de mim continuam adolescentes”.

“Minha tristeza não tem pedigree, / já minha vontade de alegria, / sua raiz vai ao meu mil avô”. “Minha mãe achava estudo / a coisa mais fina do mundo”. “Súbito é bom ter um corpo pra rir / e sacudir a cabeça. / A vida é mais tempo alegre do que triste”. “Bem-aventurado o que pressentiu quando a manhã começou”. “Quem entender a palavra entende Deus, / cujo Filho é o Verbo”, “Janela, palavra linda. / Janela é o bater das asas da borboleta amarela”. 

Há, sim, pessoas que são um pouco mais. Há pessoas que são Adélia Prado.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 19-5-2022)

Fonte:
Texto enviado pelo autor.


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