domingo, 1 de maio de 2022

Carolina Ramos (Poesias Esparsas) 3

ÁRVORE


Verde bandeira desfraldada ao vento,
árvore amiga, o olhar que te procura
busca repouso e vai achar alento
na sombra que lhe estendes lá da altura!

A sede abrasa! E o fruto sumarento
entregas, com requintes de ternura,
a quem poda a raiz, que é teu sustento
e do solo te traz a seiva pura!

Ramos erguidos, a abraçar o espaço,
tua ânsia de dar não tem cansaço!
Tua bênção de amor não tem medida!

E embora tanto dês e nada colhas,
com o verde pincel de tuas folhas,
vais colorindo de esperança a vida!
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E O CARNAVAL COMEÇA

Rompem-se os diques da alma. Nas retinas,
confundem-se as visões do Bem e o Mal.
Momo sacode os guizos! Nas esquinas
e nos salões, estronda a bacanal!

No entanto, há mais Pierrôs e Colombinas,
Palhaços e Arlequins, na vida real,
que os que atiram confetes... serpentinas,
alegria a fingir no Carnaval!

Cinzas! Máscaras rolam! Mas... só a morte,
a derradeira máscara é quem tira.
Momo sorri - talvez da própria sorte!

E o amargor numa dúvida se expressa:
- O Carnaval findou?! - Cruel mentira!
– A vida marcha... E o Carnaval começa!...
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PROTESTO DO RIO

Quando Deus fez surgir, do nada, o mundo,
recortou-o de rios que em Seu plano
tinham valor imenso e tão profundo
quanto o fluxo arterial do corpo humano!

A terra floresceu. O amor fecundo
povoou lares. E o homem, sempre ufano,
o Éden que recebeu tornou imundo,
semeando em cada canto o desengano!

Ar e águas poluiu... E os próprios veios,
com seus desmandos, vícios e mazelas!...
E hoje... os rios ocultam, em seus seios,

as angústias das vozes sufocadas
pelos surdos gemidos das sequelas,
num protesto de artérias infartadas!
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SECA...

O sol delira! Abrasa! A terra exangue
abre os lábios sedentos! Sem valia,
os rios secam, veios nus, sem sangue,
sugados pelo solo em agonia!

Pele crestada, passo frouxo e langue,
o retirante segue... tem por guia
uma esperança de que o céu se zangue,
lançando sobre a terra a chuva fria!

Chovesse... e voltaria ao mesmo beco...
que enfrentar a caatinga é seu destino!
Mas a chuva não vem... O pranto é seco!

Reza!... O sol, em delírio, mais abrasa!
O céu rubro gargalha! E o nordestino
parte... deixando a própria alma em casa!
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VELHO RIO

Deslizas velho rio, amargo e silencioso,
a esconder bem ao fundo a injúria e a dor calada.
Cresceste manso, puro! E o teu caudal piscoso
refletia o esplendor da luz da madrugada!

Quantas milhas coleaste! Fértil, dadivoso,
quantos lares supriste! E se a sede saciada
afugentou a seca, esse fantasma odioso,
tiveste, em paga injusta, a face maculada!

Hoje segues tristonho... sujo... moribundo,
tendo no seio o estigma e na alma dolorida
essa angústia de seres lixeira do mundo!

Velho rio... Depois de tanto desengano,
entendo porque, enfim, protestas contra a vida
e afogas tua dor no abismo do oceano!

Fonte:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021.
Livro enviado pela autora.

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