segunda-feira, 9 de maio de 2022

Rascunhos Poéticos Potiguares II


Zila Mamede
(Nova Palmeira/PB, 1928-1985, Natal/RN)

BILHAR

a Ludi e Oswaldo Lamartine

Na medida exata
em que a noite corre
não fico: me ausento
como quem morre

Entre lousa e livro
- único disfarce
que concedo ao tempo -
mudo-me a face

que, no entanto, vária,
inábil, reprimida,
perde-se no encontro
tátil da vida

Bola sete em rude
pano de bilhar
marco meu sem rumo
jogo-de-amar.
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Wellington Dantas Cavalcanti
Natal/RN

S I S M O


Por não saber
o que eu tenho sido
é que, às vezes, conspiro contra mim mesmo
— me firo.

Por não saber onde tenho andado
fico parado
à beira desse abismo
e, não raro, penso:
por que não me atiro?

Para onde tenho ido
quase não o tenho percebido.
De tal modo, que sempre assim me surpreendo:
sem sentido.
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Francisco Walflan Furtado de Queiroz
São Miguel/RN, 1930 – 1995

AUTORRETRATO

                                                               A Luis Carlos Guimarães

Não tenho a beleza de Rimbaud, nem o rosto torturado de Baudelaire.
Tenho sim, olhos negros, negros como os de Poe.
Meus cabelos são soltos, em desalinho
Como os de algum anjo ou demônio.
Minha pele, queimada eternamente de sol, tem o sal do mar
E a cor morena dos que são náufragos.
Minhas mãos são pequenas, tristes embora,
Como as mãos de alguém que só as estendeu para o adeus.
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Wotson de Assis
Currais Novos/RN

Brilho da esperança


 E eu debruço minha saudade ao vento
O olhar voa bem longo... bem distante
E as sombras da rua falam sussurrante
No ouvido aguçado de meu sentimento.

A noite dorme sozinha em meu relento
Nesta solidão que pulsa a todo instante
Parece que paira num silêncio pulsante
Que grita, em meu coração, sonolento.

E já tomado assim, pelo o meu cansaço,
Pressinto minha sorte esvair no espaço,
Mas entre o meu vazio algo me ilumina.

Aos poucos, uma figura surge na janela
Um adorno cintilante, exposta, tão bela,
É a luz da lua que penetra minh´neblina.
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Tarzan Leão de Souza
Ipueiras/RN

SENDAS GERAIS


Ipueira,
a um dia distante do mar,
seus riachos só enchem no inverno
e depois seca vem visitar.
Me criei nessas ruas descalças,
eu descalço à procura do mar.
Menino pobre andando nas ruas
com carrinho ou cavalo de pau.
O meu sonho era um dia crescer
e sair mundo à fora — cigano! —
retirante e amante da paz.

Ipueira,
se não pude ser um vaqueiro,
nem tropeiro igualzinho ao vô Chico,
hoje sou cantador de outras terras,
violeiro das sendas gerais.
E quando um dia a saudade apertar,
e de tanta dor não puder nem cantar.
Assossegue que eu estou voltando,
para os meus que deixei a chorar.
Estou voltando, me espere, eu te amo,
seu moleque andarilho voltou.

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