O Rio de janeiro é, positivamente, a cidade mais indiscreta do mundo. A vigilância em torno de sua Majestade o Rei Alberto, cujos passos e menores gestos são acompanhados de perto pelos jornais e pelo povo, demonstrariam essa verdade, se nós próprios, míseros mortais, não tivéssemos chegado pessoalmente a essa ingrata convicção. Não há, efetivamente, no Rio, um ponto, um abrigo, um refúgio em que se possa evitar a curiosidade dos olhares e das perguntas alheias. E quando esse lugar aparece, é tal a sofreguidão com que o procuram as pessoas discretas, que ele se torna, de pronto, um dos mais movimentados da cidade.
Ainda, agora, a propósito da visita de SS. MM. os Reis da Bélgica à Escola Nacional de Belas-Artes, veio-me à lembrança um episódio ali ocorrido, e em que tomei parte, durante a última exposição de artistas nacionais.
Solicitado por Mme. Cardoso Khan a ministrar-lhe, sem a assistência do marido, uns conselhos paternais sobre um caso do seu interesse, alvitrei, por telefone, a possibilidade de um encontro em lugar reservado, onde pudéssemos conversar em respeitosa intimidade. Aceita a minha proposta, a virtuosa senhora indagou:
- Onde poderá ser?
- Na "Mére Louise", no Leblon! - lembrei.
- Não, lá, não; tem muita gente. Podiam ver-nos, maliciar, e ir dizer ao Abelardo.
- Então, na casa de D. Matilde, no Flamengo! - tornei.
- Também, não. Ela é muito relacionada. Vai muita gente lá...
Apresentados e repelidos outros alvitres, veio-me à ideia, de súbito, a revelação de um amigo, e propus:
- A senhora já foi à Exposição da Escola Nacional de Belas Artes?
- Não.
- Pois, então, vá. Chegando lá, espere por mim, que subiremos, os dois, para o terraço que há em cima do edifício, o qual está sempre deserto. Abrigados por uns respiradouros que já existem, poderemos conversar sozinhos, inteiramente à vontade.
- Não sobe lá ninguém?
- Ninguém, filha! Eu estive lá o ano passado uma tarde inteira, e não apareceu ninguém!
À hora combinada, entrava na Escola, risonha e medrosa, a elegante criatura. Fiz-lhe um sinal e ganhamos a escada. De repente, recuei.
Em cima, no terraço, havia mais gente, aos casais, do que em baixo, na Exposição!
Ainda, agora, a propósito da visita de SS. MM. os Reis da Bélgica à Escola Nacional de Belas-Artes, veio-me à lembrança um episódio ali ocorrido, e em que tomei parte, durante a última exposição de artistas nacionais.
Solicitado por Mme. Cardoso Khan a ministrar-lhe, sem a assistência do marido, uns conselhos paternais sobre um caso do seu interesse, alvitrei, por telefone, a possibilidade de um encontro em lugar reservado, onde pudéssemos conversar em respeitosa intimidade. Aceita a minha proposta, a virtuosa senhora indagou:
- Onde poderá ser?
- Na "Mére Louise", no Leblon! - lembrei.
- Não, lá, não; tem muita gente. Podiam ver-nos, maliciar, e ir dizer ao Abelardo.
- Então, na casa de D. Matilde, no Flamengo! - tornei.
- Também, não. Ela é muito relacionada. Vai muita gente lá...
Apresentados e repelidos outros alvitres, veio-me à ideia, de súbito, a revelação de um amigo, e propus:
- A senhora já foi à Exposição da Escola Nacional de Belas Artes?
- Não.
- Pois, então, vá. Chegando lá, espere por mim, que subiremos, os dois, para o terraço que há em cima do edifício, o qual está sempre deserto. Abrigados por uns respiradouros que já existem, poderemos conversar sozinhos, inteiramente à vontade.
- Não sobe lá ninguém?
- Ninguém, filha! Eu estive lá o ano passado uma tarde inteira, e não apareceu ninguém!
À hora combinada, entrava na Escola, risonha e medrosa, a elegante criatura. Fiz-lhe um sinal e ganhamos a escada. De repente, recuei.
Em cima, no terraço, havia mais gente, aos casais, do que em baixo, na Exposição!
Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
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