sexta-feira, 20 de maio de 2022

Carlos Leite Ribeiro (Bolo de Aniversário)

(um conto real)


Naquela noite de 29 de Dezembro de um ano que já não me lembro, cheguei em casa já tarde, pois tive de fazer serão no jornal, a preparar edição especial Fim de Ano. Era um trabalho sempre chato, mas que felizmente só acontecia uma vez por ano. Fazer pesquisas culinárias (ainda não havia Internet); entrevistar chefes de cozinha e afamados cozinheiros; pequenas entrevistas a políticos e a figuras públicas (e não só). Fazer as listas de restaurantes, bares e outros locais de divertimentos, etc.   

Tudo isto além dos noticiários normais que de hora a hora tínhamos que dar à antiga Emissora Nacional. Era um trabalho como dizíamos "do diabo".

Portanto, cheguei em casa muito cansado e com fome. Logo na entrada, veio a meu nariz um cheirinho agradável de bolo. Passei pelo quarto para ver se a mulher estava a dormir, e em seguida, dirigi-me à cozinha de onde vinha aquele maravilhoso cheirinho de bolo quente.

Logo descobri o Pão-de-ló numa forma grande (tínhamos dois tipos de formas cada qual com seu diâmetro). Contente com qualquer pedaço, prestes a comer um pedacinho de queijo, retirei o tal bolo da "estufa" onde estava a "secar" e cortei uma generosa fatia; confesso que tive vontade de comer o bolo todo, mas como é óbvio, tinha que contar com a esposa que estava a dormir.

Dirigi-me ao quarto e delicadamente acordei a esposa, querida: “Tu hoje caprichaste ao fazer o bolo Pão-de-ló! Já comi uma fatia e trago-o aqui para nós o devorarmos.”

Nem pude acabar a frase, pois ela acordou e logo vi que não muito bem disposta:

- Oh seu guloso, o que fizeste ao bolo?!...

- Comi uma fatiazinha!

- Esse bolo era para o aniversário da Maria Figueiredo. Estava a secar para logo de manhã o barrar com molho branco, colocar aquelas bolinhas de enfeite prateadas além das vinte e duas velas. Prometi à moça e agora o que vou fazer?

- Levanta-te e vamos fazer outro. Eu ajudo se puder comer este todo…

- Olha que não estou a brincar … Levas tudo na brincadeira. E eu que prometi à moça que lhe faria o bolo de aniversário. Sai daqui do quarto e vai para a cozinha; mas não comas mais nenhuma fatia de bolo. Guloso …

Vestiu o robe e foi ter comigo à cozinha. Calados só olhávamos para o bolo, eu, intimamente pensava: "que pena não ser todo para mim…".

- Olha, Carlos, parece-me que descobri como safarmos desta enrascada”.

Com uma faca afiada, vou cortar outra fatia do lado oposto e assim, o bolo em vez de ficar redondo vai ficar oval. Como já está quase "seco" vou fazer o molho e tu vai ajudar-me a barrá-lo e a colar com o açúcar em ponto.

Horas depois o bolo estava na perfeição na sua forma oval, e muito bem decorado com as tais bolinhas e os castiçaizinhos para as velinhas.

- Vês, querida, tu és uma enorme artista criativa. Parabéns! Agora posso comer esta fatia, não posso? Ajudei a minha querida …

A resposta veio em tom cortante:

- Nãoooo!!! Quem a vai comer sou eu.

Nem protestei para não ouvir alguma coisa de que não desejaria.

No outro dia fomos ao aniversário da Figueiredo e levamos o bolo que fez grande sensação pelo seu formato oval.

Uma vizinha chegou perto de minha mulher para lhe perguntar:

- Onde é que a senhora comprou esta forma tão fora do comum?

Eu afastei-me logo antes de dar uma sonora gargalhada, enquanto a esposa dizia à senhora, numa cara muito cômica a tentar não se rir.

- Estas formas (metálicas) não se vendem em Portugal. Foi uma amiga que me trouxe de França …

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