''Dê-me tua mão, diz que tem saudade…
Esqueça nosso árduo passado, vaidade
Meu corpo febril, aqueça, junto ao teu
Sem receio, diz que me deseja, sempre.''
Fabiane Braga Lima
Lenny passa em revista seus equipamentos de trabalho disposto na pequena bancada de trabalho! Dispostas, de forma aleatória, as sofisticadas e importadas máquinas fotográficas, os últimos modelos lançados no mercado mundial, passando por ultrapassadas máquinas analógicas, indo parar em caros celulares e tablets. Mas tem a voz, a orientação do pai: — Filmes, tudo analógicos, nada destas bobagens eletrônicas atuais!
— Madalena! Traga o seu kit! E a tua mochila! — A dona da casa ainda estava olhando profundamente para o que me melhor tem a disposição. Evitou olhar para a assistente de produção como quem admite uma derrota.
— Madame? — Atônita a assistente olha para o chão sem saber o que fazer ou dizer.
— A tua câmera bag infeliz, aquela que te dei de presente não sei quando! — Lenny se vira e joga a chave do carro para a assistente. — Deixa a tua motoneta aqui e vá pegar tudo o que tens em casa, os tripés não precisa vou usar os meus. Vai mulher!
O grito bem alto, da dona da casa fez estremecer a pequena assistente de produção, que girou nos calcanhares e se dirigiu até a garagem.
Lenny sabia que a assistente tem o que ela precisa naquela hora, a velha tecnologia mecânica, as velhas polaroides, rolleiflexes de uma série de câmaras analógicas difíceis de encontrar no mercado. Colecionadora da velha tecnologia, Madalena é a cara da corrente foto-arte, ela é ligada umbilicalmente de corpo e alma ao movimento do romantismo.
A jovem sonhadora Madalena, não se encaixa mesmo na atual avalanche tecnológica digital. Lenny sabe do amor platônico da assistente por ela, muitas das vezes Lenny pensou em levar a assistente para a cama de fato. Mas Lenny não mistura trabalho com vida pessoal, em definitivos as aventuras de Lenny eram fora de casa e fora da vida profissional.
Lenny olha para o relógio na parede, não demoraria muito para as duas modelos chegarem e fotógrafa vai vestíbulo, vai até as araras separar os figurinos que pretendia usar. A fotógrafa pensa na mãe se um dia visse a filha adorada trabalhando de camareira, a requintada senhora desmaiaria, Lenny sorri para si mesmo, pois nunca esteve tão feliz e realizada. Ela não se sentiu assim nem mesmo quando chutou o ex-namorado, um jornalista bonachão, alto e gordo, um verdadeiro imbecil, um típico membro da classe média interiorano praiana.
A fotógrafa pensa em ligar para a assistente, para apressá-la, mas prefere ir até a varanda e acender um cigarro, os cigarros mentolados de Madalena que cedo ela pegou da balsa da assistente. Lenny não se reconhecia, sempre fora livre é verdade, mas um alguém que sussurra ditames ao seu ouvido, um som quase inaudível. Ela sabia que não é um sentimento de não pertencimento é outra coisa, algo bem mais profundo. E, de repente, vem uma lembrança da infância, não muito distante, uma lembrança adormecida que ressuscitou com a visita inesperada do senhor Otto Blumenthau. Estavam de férias no litoral, a família toda, estavam na orla da praia, que tinha sofrido um engordamento recentemente, no rádio local tinha um locutor histérico que discursava com o engordamento das areias da praia.
O pai de Lenny estava sentado em uma cadeira alugada para turistas, ele estava com o rádio no colo. O velho Otto Blumenthau estava lendo um jornal de circulação nacional e o político tinha um charuto caribenho apagado na boca. No céu azul, as aves marinhas grasnavam no alto, a mãe de Lenny ao lado do pai, ambos bem vestidos com suas roupas de veraneio, o casal abrigado por um guarda-sol. E os irmão de Lenny? A fotógrafa não sabia onde estavam, só ouvia eles que gritavam um para o outro: — A bola! A bola chuta a bola! — Os dois riram alto. Também tinha o vento ameno, o barulho do vento e as ondas que quebravam na orla da praia.
E tinha o abismo gelado, ela caminhou até a beira do abismo álgido, Lenny saiu de perto dos pais e caminhou e caminhou, e veio os gritos da mãe e Lenny voltou os olhos para trás. O pai baixou o jornal, ele estava com o charuto aceso na boca naquela hora e olhou e ergueu o jornal de volta na altura dos olhos. A mãe de Lenny correu até ela e abraçou, a ergueu do chão e voltaram para onde estavam instalados. A mãe de Lenny estava chorando, parou para gritar com a babá e para os seguranças. Depois se voltou para o marido
— Vamos embora, Otto! Chega Otto! Vamos voltar pra casa!!! — Os gritos histéricos da esposa do político chamaram a atenção de todos e todas.
– Cala boca, mulher, é só um sphyrna, e ainda é só um filhote!
— Um o quê?
— Um pequeno tubarão-martelo, um filhote ainda! Eu já vi maiores e mais vorazes lá no congresso! — O pai falou com o charuto na boca enquanto a mulher chorava com a pequena Lenny nos braços. A babá sorria, os seguranças sorriam e o chefe de gabinete de Otto sorriu seco.
De volta ao tempo presente, a fotógrafa tem a fotografia do tal tubarão-martelo em toda a parte. A lembrança do pai dando a máquina fotográfica descartável, que o pai de Lenny tinha comprado de um ambulante na calçada da praia. O pai somente deu a máquina fotográfica como quem dá brinquedo para uma criança. Otto simplesmente deu para a pequena Lenny, sem dizer nada, e lá foi a pequena Lenny tirar uma fotografia do sphyrna na beira mar. E foi assim que Lenny produziu a primeira fotografia, e foi assim que o pai de Lenny, mandou revelar a fotografia e orgulhoso mandou ampliar e emoldurar a fotografia da filha.
O barulho da porta da garagem se abrindo trouxe Lenny para a realidade em que vivia. E a fotógrafa tragou a fumaça do cigarro e foi ver se Madalena cumpriu a tarefa que ela tinha dado ou escutaria uma avalanche de desculpas vagas e tolas.
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Texto enviado pelo autor.
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