O homem chega na portaria do prédio com uma porção de sacolas e embrulhos nas mãos. A poder de muito sacrifício consegue dar um jeitinho de alcançar o interfone. Toca. Uma voz feminina atende instantaneamente:
— Oi, quem é?
— Sou eu Rúbia, o Troncoso.
— Oi, cunhado, vou abrir.
Uma combinação de sons se ouve:
— Abriu?
— Não.
O pi, pi, pi, pi se repete:
— Abriu?
— Não.
Uma... Duas...
— Abriu?
— Não.
...Três... Quatro...
— Abriu?
— Não.
...Cinco... Seis...
— Abriu?
— Não.
— Escuta Rúbia. Vai ver você está acionando a tecla errada.
— Claro que não.
— Cadê o Popó?
— Saiu.
— Você não avisou a ele que eu viria?
— Por certo. Mas você conhece seu irmão. Disse pra mim que ia ao supermercado comprar cerveja...
— Tudo bem, cunhada. Aperta essa encrenca mais uma vez.
— Vamos lá. Abriu?
— Não.
— E agora, abriu?
— Não.
Rúbia se enfurece.
— Que droga! Abriu?
— Não.
— Troncoso, faz o seguinte. Chama novamente.
— OK.
O aparelho é imediatamente desligado. Troncoso repete a operação teclando o número do apartamento desejado. Desta vez um homem atende em meio a uma chiadeira medonha:
— Fala meu.
— Sou eu, mano. A Rúbia acabou de me dizer que você não estava em casa.
— O que? Quem?
— Rúbia...
— Tava no banheiro. Sobe ai.
Um apito estridente se ouve seguido do mecanismo liberando a porta.
— Abriu?
— Não.
— Abriu?
— Não.
— Acho que esta droga emperrou. Abriu?
— Não.
— Abriu?
— Não. Popó, Popó, me escuta...
O dialogo de repente se transforma numa balbúrdia. Ambos desligam ao mesmo tempo. Troncoso espera alguns minutos. Consegue comunicação depois da quinta tentativa. É a cunhada, de novo:
— Oi, Rúbia, até que enfim.
— Quem é?
— Quem mais poderia ser? Sou eu, o Troncoso.
Abre logo essa droga de porta.
— Ta legal, Não precisa se irritar. Como você desligou, pensei que o portão estivesse aberto e você a caminho do elevador.
— Como vê, ainda aqui tentando entrar no prédio.
— Abriu?
— Não.
— Abriu?
— Não. Rúbia, não é melhor você descer?
— Cunhado, tô praticamente pelada.
— Imagino. Por isso mentiu ao falar que Popó tinha ido ao supermercado.
— Mas ele saiu, de verdade. Juro. Estou sozinha.
— Rubinha, pelo amor de Deus, agora não. Eu vim trazer as compras pro churrasco de vocês numa boa. Manda o Popó descer ou faz isso você mesma... Tenho um amontoado de encrencas me esperando lá em casa.
— Troncoso, eu já te falei. Popó não está aqui.
— Tudo bem. O que é que eu faço com as sacolas?
— Por tudo quanto é sagrado, Troncoso. Suba.
— Então abre.
O barulhinho da geringonça quebra o marasmo da conversação: — Abriu?
— Não.
—Abriu?
— Não.
Rúbia desliga. Troncoso insiste. Um sujeito atende.
— Fala.
— Popó abre logo essa porcaria.
Estranhamente o som desagradável de antes volta a se manifestar entre os dois interlocutores:
— Meu amigo, aqui não tem nenhum Popó.
— Ta. Então me passa a Rúbia.
— Que Rúbia, meu chapa, que Rúbia? Pra qual apartamento discou?
— Cara, a hora que eu te pegar na minha frente você vai se arrepender de ter nascido. Abre essa droga.
Embora a desordem persista, os dois homens continuam a dialogar. Se é que se poderia chamar o papo dos dois de diálogo:
— Escuta aqui, palhaço. Vou descer e quebrar a tua cara.
— Eu é que vou subir e rebentar com a sua. Depois que tiver terminado, nem mamãe vai lhe reconhecer. E quer saber, Popó: Volta lá pra sua cama e continua com a farra.
— Que cama, que farra, seu filho de uma vagabunda?
O interfone é desligado abruptamente. Troncoso, pê da vida, resolve levar a sacanagem adiante. Se os dois queriam brincar e se divertir às suas custas, tudo bem. Entraria no clima, e, depois, no final, mandaria os dois para os quintos do inferno. Tocou, decidido:
— Oi, Troncoso?
— Não, é o chapeuzinho vermelho!
— Cara, você ainda está ai?
— Rúbia, me faz um favor?
— Claro. O que você quer?
— Vá pro inferno, sua vagabunda.
Rúbia, perplexa: — Troncoso, o que deu em você. Que bicho te mordeu?
— Antes que me esqueça. Sabe o que vou fazer com as compras de vocês? Jogarei no lixo aqui ao lado.
Um sujeito alto e magro, sem camisa, só de bermuda, tatuado dos pés a cabeça, pinta no hall de entrada.
Nas mãos do cidadão um revólver pronto para entrar em ação reluz sinistramente.
— Seu filho da mãe, você deve ser o tal do Troncoso que resolveu se dependurar no interfone do meu apartamento. Vou te mostrar quem vai sair lascado.
Troncoso não espera o rapaz acabar de descer o restante das escadas. Larga as sacolas ali mesmo na calçada, tropeça num cachorro, quase é atropelado por um carro que aparece do nada. Sem olhar para trás, bate em retirada a mil por hora.
— Oi, quem é?
— Sou eu Rúbia, o Troncoso.
— Oi, cunhado, vou abrir.
Uma combinação de sons se ouve:
— Abriu?
— Não.
O pi, pi, pi, pi se repete:
— Abriu?
— Não.
Uma... Duas...
— Abriu?
— Não.
...Três... Quatro...
— Abriu?
— Não.
...Cinco... Seis...
— Abriu?
— Não.
— Escuta Rúbia. Vai ver você está acionando a tecla errada.
— Claro que não.
— Cadê o Popó?
— Saiu.
— Você não avisou a ele que eu viria?
— Por certo. Mas você conhece seu irmão. Disse pra mim que ia ao supermercado comprar cerveja...
— Tudo bem, cunhada. Aperta essa encrenca mais uma vez.
— Vamos lá. Abriu?
— Não.
— E agora, abriu?
— Não.
Rúbia se enfurece.
— Que droga! Abriu?
— Não.
— Troncoso, faz o seguinte. Chama novamente.
— OK.
O aparelho é imediatamente desligado. Troncoso repete a operação teclando o número do apartamento desejado. Desta vez um homem atende em meio a uma chiadeira medonha:
— Fala meu.
— Sou eu, mano. A Rúbia acabou de me dizer que você não estava em casa.
— O que? Quem?
— Rúbia...
— Tava no banheiro. Sobe ai.
Um apito estridente se ouve seguido do mecanismo liberando a porta.
— Abriu?
— Não.
— Abriu?
— Não.
— Acho que esta droga emperrou. Abriu?
— Não.
— Abriu?
— Não. Popó, Popó, me escuta...
O dialogo de repente se transforma numa balbúrdia. Ambos desligam ao mesmo tempo. Troncoso espera alguns minutos. Consegue comunicação depois da quinta tentativa. É a cunhada, de novo:
— Oi, Rúbia, até que enfim.
— Quem é?
— Quem mais poderia ser? Sou eu, o Troncoso.
Abre logo essa droga de porta.
— Ta legal, Não precisa se irritar. Como você desligou, pensei que o portão estivesse aberto e você a caminho do elevador.
— Como vê, ainda aqui tentando entrar no prédio.
— Abriu?
— Não.
— Abriu?
— Não. Rúbia, não é melhor você descer?
— Cunhado, tô praticamente pelada.
— Imagino. Por isso mentiu ao falar que Popó tinha ido ao supermercado.
— Mas ele saiu, de verdade. Juro. Estou sozinha.
— Rubinha, pelo amor de Deus, agora não. Eu vim trazer as compras pro churrasco de vocês numa boa. Manda o Popó descer ou faz isso você mesma... Tenho um amontoado de encrencas me esperando lá em casa.
— Troncoso, eu já te falei. Popó não está aqui.
— Tudo bem. O que é que eu faço com as sacolas?
— Por tudo quanto é sagrado, Troncoso. Suba.
— Então abre.
O barulhinho da geringonça quebra o marasmo da conversação: — Abriu?
— Não.
—Abriu?
— Não.
Rúbia desliga. Troncoso insiste. Um sujeito atende.
— Fala.
— Popó abre logo essa porcaria.
Estranhamente o som desagradável de antes volta a se manifestar entre os dois interlocutores:
— Meu amigo, aqui não tem nenhum Popó.
— Ta. Então me passa a Rúbia.
— Que Rúbia, meu chapa, que Rúbia? Pra qual apartamento discou?
— Cara, a hora que eu te pegar na minha frente você vai se arrepender de ter nascido. Abre essa droga.
Embora a desordem persista, os dois homens continuam a dialogar. Se é que se poderia chamar o papo dos dois de diálogo:
— Escuta aqui, palhaço. Vou descer e quebrar a tua cara.
— Eu é que vou subir e rebentar com a sua. Depois que tiver terminado, nem mamãe vai lhe reconhecer. E quer saber, Popó: Volta lá pra sua cama e continua com a farra.
— Que cama, que farra, seu filho de uma vagabunda?
O interfone é desligado abruptamente. Troncoso, pê da vida, resolve levar a sacanagem adiante. Se os dois queriam brincar e se divertir às suas custas, tudo bem. Entraria no clima, e, depois, no final, mandaria os dois para os quintos do inferno. Tocou, decidido:
— Oi, Troncoso?
— Não, é o chapeuzinho vermelho!
— Cara, você ainda está ai?
— Rúbia, me faz um favor?
— Claro. O que você quer?
— Vá pro inferno, sua vagabunda.
Rúbia, perplexa: — Troncoso, o que deu em você. Que bicho te mordeu?
— Antes que me esqueça. Sabe o que vou fazer com as compras de vocês? Jogarei no lixo aqui ao lado.
Um sujeito alto e magro, sem camisa, só de bermuda, tatuado dos pés a cabeça, pinta no hall de entrada.
Nas mãos do cidadão um revólver pronto para entrar em ação reluz sinistramente.
— Seu filho da mãe, você deve ser o tal do Troncoso que resolveu se dependurar no interfone do meu apartamento. Vou te mostrar quem vai sair lascado.
Troncoso não espera o rapaz acabar de descer o restante das escadas. Larga as sacolas ali mesmo na calçada, tropeça num cachorro, quase é atropelado por um carro que aparece do nada. Sem olhar para trás, bate em retirada a mil por hora.
Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Refúgio para cornos avariados. São Paulo, SP: Editora Sucesso, 2010.
Ebook enviado pelo autor.
Aparecido Raimundo de Souza. Refúgio para cornos avariados. São Paulo, SP: Editora Sucesso, 2010.
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