sábado, 21 de maio de 2022

Pedro Melo (Eu e a freira)


Nessa época eu já morava no Paraná, mas tinha ido a São Paulo por alguma razão. Como participaria de um evento em Maringá, onde teria oportunidade de reencontrar, entre outros, meus queridos amigos Assis, Eliana, Olga, Nilsa e Jeanette, em vez de viajar para União da Vitória, peguei o ônibus para Maringá.

Perto de mim se sentou uma senhora alta, esguia, muito elegante e sorridente. Ao olhar para ela, intuí que fosse freira. Não tinha nenhum adorno ou detalhe físico que indicasse isso, mas havia algo nela que me levava a achar que fosse uma religiosa. Sempre gostei muito de conversar com padres e freiras. No curso de Magistério (o antigo Normal), tive aulas de Filosofia da Educação com um padre diocesano e uma colega minha do primeiro ano era uma freira scalabriniana. E aquela senhora parecia freira.

Até cogitei a possibilidade de puxar conversa com ela, mas como sou tímido fiquei com vergonha. A troco de quê eu puxaria conversa com uma desconhecida no ônibus? Mas chegou a oportunidade.

O ônibus fez uma parada na cidade de Santa Cruz do Rio Pardo e, por alguma razão, estava atrasado. Foi o pretexto para puxar conversa com ela nesse lugar da parada. E aí não paramos mais.

De fato, ela era freira mesmo. E que freira! Era teóloga, com pós-graduação na Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma. Poliglota, servia a Igreja fazia muitos anos. E conversamos muito, não tanto sobre teologia, mas sobre questões sociais e as relações da Igreja com a Sociedade. Falamos muito sobre algumas figuras da Igreja pelas quais eu sempre tive profunda admiração e descobri que ela comungava de minha opinião: o bispo salvadorenho Oscar Romero, assassinado em 1980 devido à sua atuação pelos pobres, e figuras da Igreja brasileira como Ivone Gebara, Leonardo Boff, Dom Hélder Câmara e, na época ainda vivos, Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Pedro Casaldáliga.

Acho fascinante conversar com pessoas inteligentes, cultas, de mente aberta, com as quais posso aprender. Conversamos animadamente de Santa Cruz do Rio Pardo até Maringá! E aquela simpaticíssima freira, cujo nome infelizmente não recordo, ficou na minha lembrança por ter me proporcionado uma das viagens mais agradáveis e momentos de maior aprendizado que fiz em minha vida!

Em Maringá, durante os festejos do evento a que fui assistir, o poeta A. A. de Assis, com seu jeito bonachão de sempre, brincou com a situação:

- E depois de tanta prosa, a freira não converteu você?

Olhei para ele, sorri, pensei um pouco e respondi:

- A conversa foi muito boa, mas não consigo me imaginar usando um hábito... Acho que não levo jeito pra ser freira!

Piadista incorrigível, ele emendou:

- Mas se a irmã não usava hábito, você também não precisa... ainda dá tempo...

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

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