domingo, 1 de maio de 2022

Renato Benvindo Frata (Timidez)

Ela saiu, vassoura em punho e com golpes ligeiros foi varrendo os ciscos e as flores de sibipiruna que o vento desprendera, forrando o chão. Seus pés magros, meigos e descalços pisavam de manso o tapete dourado e macio, envolvidos pelas flores. Nem precisava varrer àquela hora, mas o fazia de caso pensado.

Porém, da fresta de uma janela improvisada do celeiro de madeira, transformado em quarto por estrita necessidade de separar e acomodar os empregados solteiros dos casados na colônia da próspera fazenda de café, dois olhos apaixonados acompanhavam o vai e vem dos movimentos, o corpo esguio de silhueta alegre que parecia bailar com a vassoura nas mãos.

Cantarolava e estava linda. Aliás, era-o sempre, de segunda a segunda, com ou sem a vassoura a varrer flores e ciscos. Paixão que ele curtia e que mantinha guardada a sete chaves travada no coração, desde que chegara com a leva dos novos trabalhadores daquela safra que se iniciava, e que fora colocado ali no abrigo de outros solteiros com quem dividiria o espaço.

Era tímido demais para deixá-la perceber os seus sentimentos nascidos à primeira vista. Mal se limitava a uma troca de cumprimentos - que respondia à meia voz, quase num muxoxo, e o rubor já lhe subia esquentando a face e molhando os sovacos. Que aflição!

Bem que na frente ao espelho ensaiava um "olá" mais meloso e lhe dirigia um sorriso aberto, desses que atraem, mas, e a coragem, onde estava? E se ela não aceitasse o flerte e o dispensasse? Passaria o resto da vida escondido. Melhor seria continuar a admirá-la à distância, mesmo "lambendo com a testa", sonhando com ela nas viagens de pensamentos nem sempre pudicos, mas que o deixavam cada vez mais apaixonado.

E como se sabe, a paixão endoida um peão sozinho num celeiro! Ato contínuo ela se agachou, apanhou um punhado das flores, olhou-as como a contemplá-las, cheirou-as e as prendeu, fazendo um lindo buquê na palma da mão. Depois, virando-se para a direção onde ele se encontrava, abriu um maravilhoso sorriso. De dentro do quarto o grande susto foi seguido de muita apreensão. Como ela poderia tê-lo descoberto se ninguém além dele sabia do amor que lhe devotava? Jamais admitira espalhar o segredo tão nobre, íntimo, enclausurado e controlado por sua timidez. Daí a cisma.

Afastou-se apressado da janela, pôs as mãos no peito, sentiu o coração agitado, a garganta seca e a respiração ofegante. O suor desceu, pois tinha sido descoberto e isso o desconcertou. Uma eternidade com a incerteza inundando-lhe a alma se passou até que, num misto de coragem, curiosidade e desejo, voltou à janela. Gritou de pavor e recuou. Do lado oposto, um lindo par de olhos azuis ocupava agora a mesma fresta. Então, constrangido, obrigou-se a abri-la; e a moça mais que depressa lhe estendeu a mão cheia de flores e disse: "São nossas. Que bom que está aí a me olhar. Cheguei pensar que hoje você não tentaria me ver".

Momentos depois o lençol do quarto/celeiro estava salpicado de flores amarelas amassadas por corpos suarentos. O resto a minha timidez não me permite contar.

Fonte:
Renato Benvindo Frata. Azarinho e o caga-fogo. Paranavaí/PR: Eg. Gráf. Paranavaí, 2014.
Livro enviado pelo autor.

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