Na hora do recreio havia sobre a mesa um prato de pastéis. Seis professores na sala, sete pastéis. Cada boca serviu-se do seu bocado, a refeição ideal para o horário. O copo de chá gelado completava a merenda. Mas o pastel estava provocativamente delicioso, deixando no gogó dos comilões aquele irresistível gostinho de quero mais.
Sobrara no prato um pastel, o sétimo, sobre o qual pousavam gulosos os olhos dos seis candidatos a saboreá-lo. A boa educação, contudo, não permitia que nenhum dos presentes se apossasse do cujo. Melhor se tivesse vindo a conta certa, assim aquela sobra não perturbaria o recreio. O pessoal conversava para distrair, entretanto a tentação era demais. Seis olhares espetando o pastel, de longe. Ah, esses bons modos...
Poderia alguém ter sugerido um sorteio. No papelzinho, no palitinho, no par ou ímpar. Qualquer coisa, desde que se definisse a quem caberia o apetitoso conjunto de carne e massa. Ninguém tinha coragem de fazer a sugestão, com medo de ser chamado de fominha.
E o solitaríssimo pastel ali se oferecendo, cheiroso, fofucho. Poderiam reparti-lo em seis pedaços. Parecia, porém, que todos achavam tal solução deselegante. Além disso, a quem caberia a azeitona? Pois é: tinha uma azeitona no enredo, para atrapalhar. Dividir uma azeitona em seis pedaços seria operação deveras complicada, convenhamos. Falaram de futebol, falaram de política, falaram de tudo. Os olhares continuavam fixos no prato. Cada parceiro na esperança de que os outros cinco saíssem da sala. Ficando sozinho, o premiado comeria o último pastel sem constrangimento algum. Mas quem disse que sairia alguém dali? Havia unanimidade na gula.
Chegaram a desejar que entrasse na sala uma sétima pessoa, a fim de engolir a massa da discórdia e resolver de vez o impasse. Não apareceu ninguém. O pastel ali, esfriando, desafiando a imaginação criativa dos seis. Nenhum deles ao menos se atreveu a confessar o que estava pensando. Percebia-se apenas pelo jeitão meio vesgo. Ou era isso que uns acreditavam estar percebendo nos demais.
Tocou a sino, acabou o recreio. Última esperança de que voltasse todo mundo para o trabalho deixando apenas um na sala do lanche. Ninguém quis ser o primeiro a sair. Saíram juntos, os seis.
Minutos depois a moça da cozinha veio recolher a garrafa de chá, os copos e o prato. Pensou lá com seus temperos: “Uai, acho que o pastel não agradou... até deixaram sobra...” E sem mais indagações comeu ali mesmo o desprezado, para desocupar o prato. Alimento aliás muito providencial, visto que a moça havia acordado de madrugada e o café da manhã, naquelas alturas, estava mesmo já pedindo algum reforço.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 23-6-2022)
Sobrara no prato um pastel, o sétimo, sobre o qual pousavam gulosos os olhos dos seis candidatos a saboreá-lo. A boa educação, contudo, não permitia que nenhum dos presentes se apossasse do cujo. Melhor se tivesse vindo a conta certa, assim aquela sobra não perturbaria o recreio. O pessoal conversava para distrair, entretanto a tentação era demais. Seis olhares espetando o pastel, de longe. Ah, esses bons modos...
Poderia alguém ter sugerido um sorteio. No papelzinho, no palitinho, no par ou ímpar. Qualquer coisa, desde que se definisse a quem caberia o apetitoso conjunto de carne e massa. Ninguém tinha coragem de fazer a sugestão, com medo de ser chamado de fominha.
E o solitaríssimo pastel ali se oferecendo, cheiroso, fofucho. Poderiam reparti-lo em seis pedaços. Parecia, porém, que todos achavam tal solução deselegante. Além disso, a quem caberia a azeitona? Pois é: tinha uma azeitona no enredo, para atrapalhar. Dividir uma azeitona em seis pedaços seria operação deveras complicada, convenhamos. Falaram de futebol, falaram de política, falaram de tudo. Os olhares continuavam fixos no prato. Cada parceiro na esperança de que os outros cinco saíssem da sala. Ficando sozinho, o premiado comeria o último pastel sem constrangimento algum. Mas quem disse que sairia alguém dali? Havia unanimidade na gula.
Chegaram a desejar que entrasse na sala uma sétima pessoa, a fim de engolir a massa da discórdia e resolver de vez o impasse. Não apareceu ninguém. O pastel ali, esfriando, desafiando a imaginação criativa dos seis. Nenhum deles ao menos se atreveu a confessar o que estava pensando. Percebia-se apenas pelo jeitão meio vesgo. Ou era isso que uns acreditavam estar percebendo nos demais.
Tocou a sino, acabou o recreio. Última esperança de que voltasse todo mundo para o trabalho deixando apenas um na sala do lanche. Ninguém quis ser o primeiro a sair. Saíram juntos, os seis.
Minutos depois a moça da cozinha veio recolher a garrafa de chá, os copos e o prato. Pensou lá com seus temperos: “Uai, acho que o pastel não agradou... até deixaram sobra...” E sem mais indagações comeu ali mesmo o desprezado, para desocupar o prato. Alimento aliás muito providencial, visto que a moça havia acordado de madrugada e o café da manhã, naquelas alturas, estava mesmo já pedindo algum reforço.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 23-6-2022)
Fonte:
Vida, Verso e Prosa.
Vida, Verso e Prosa.
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