Preocupado com a mocidade da sua linda companheira e temendo, ao mesmo tempo, a decadência de tão maravilhosa formosura, principalmente daquele admirável colo de neve, que era o seu orgulho e que ela mostrava, contente, até aonde lhe era possível mostrar, o coronel Epifânio Fonteneles procurou, uma tarde, a proprietária de um famoso Instituto de Beleza, e expôs claramente o seu caso. A Circe francesa ouviu-lhe a narrativa, compreendeu-lhe os temores, percebeu-lhe as apreensões, e, com um sorriso nos lábios artificialmente vermelhos, tranquilizou-o:
- Pode ficar tranquilo, coronel. O preparado que possuímos para conservar a graça do busto, a mocidade da pele, enfim, a beleza do colo, é infalível. É uma loção adstringente, de efeito seguro e poderoso, que tem realizado verdadeiros milagres. Basta dizer que entram nela, em dose elevadíssima, a pedra-hume, a casca de romã, a folha de carvalho, a casca de manga, enfim, todas as substâncias taninosas, que fazem contrair e fortalecer a epiderme, conservando-lhe a juventude.
E retirando um vidro da prateleira:
- O senhor leva um vidro, e recomende a madame que o use todos os dias. Toma-se de um pouco de algodão delicado, molha-se no liquido, e umedece-se com ele a pele do colo, principalmente o seio, cuja rijeza é preciso conservar. Deixa-se secar o liquido na pele, põe-se uma ligeira camada de pó de arroz, e está feito o remédio, e, com ele, a "toilette" do dia.
Balançando a cabeça a cada informação, o coronel mostrou haver entendido bem, pediu dois vidros da loção, pagou-os, recebeu-os, e tocou-se para casa, onde os entregou à encantadora D. Ignezinha, a quem transmitiu, palavra por palavra, todas as explicações.
No dia seguinte, à tarde, usado o liquido de acordo com as instruções do marido, e enfiado o seu vestido de decote mais longo e mais frouxo, desceu a linda senhora, sem colete, afim de patentear melhor a graça do busto deslumbrante, para a sala de visitas, onde já se havia feito anunciar, como um dos amigos mais frequentes da casa, o jovem engenheiro militar Dr. Epaminondas Rufino.
Pausado, meticuloso, disciplinado em tudo, o coronel demorou-se ainda nos seus aposentos, vestindo-se para jantar. Meia hora depois, ouviam-se os seus passos na escada, e, logo, em seguida, a sua entrada no salão, onde madame sorria, discreta, contando uma história qualquer ao capitão Epaminondas.
- Então, como vai essa bravura? bradou, jovial, o velho coronel, estendendo a grande mão gloriosa, para apertar a do amigo.
O engenheiro ia responder no mesmo tom, mas, de repente, contraiu o rosto, empalideceu, e continuou mudo.
- Que é isto? Está se sentindo mal? - tornou o coronel apreensivo.
O capitão fez um novo esforço, com os músculos de todo o rosto, procurando descerrar os lábios apertados, contraídos num espasmo da mucosa e, com uma dificuldade horrível, quase com a boca cerrada, respondeu, apenas, num sibilo, com a língua presa, dura, paralisada pelo tanino:
- Nun... tãnho... nada!
E ganhou a rua.
Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
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