domingo, 16 de outubro de 2022

Carolina Ramos (Poesias Esparsas) 5

ANO NOVO

Os sinos sacodem a noite silente.
Apitos, sirenes, febris a anunciar
que parte o Ano Velho, tristonho, doente,
e Nova Esperança começa a brilhar!

Em meio à alegria que explode em espuma,
transborda de taças e rola no chão,
rasteja a tristeza, fiapos de bruma,
estranha entre risos, confete e rojão!

É a mesma tristeza que rima com prece,
e aquele que a sente é incapaz de a entender!
Tristeza que, às vezes, receio parece,
receio de tudo que é inútil prever!
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AOS QUE COMEÇAM...

Se escreves, nesse humilde e obscuro anonimato,
a enfrentar, com denodo, os lances audaciosos,
para a glória de um texto ou graça de um relato,
que não te anule o brilho, astral, dos mais famosos!

Sabes bem que o trabalho é teu fiel retrato.
Se és capaz de conter delírios ambiciosos,
no labor hás de ter o perfil mais exato
do ideal que conduz à frente os vitoriosos!

Quem folheia um jornal, pela manhã bem cedo,
desconhece, por certo, a nobre e intensa lida
que envolve o jornalista em seu diurno enredo.

Mas, quanto o valoriza aquele que, enfim, pensa:
- como seria o mundo apático e sem vida,
sem o bravo clamor... das máquinas da imprensa!
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ARREPENDIMENTOS

Erraste... e quem não erra neste mundo,
repleto de sofismas e ciladas?!
Basta-nos, para errar, um vil segundo,
que o demônio nos tece, às gargalhadas!

A vida abismos cava... explora a fundo,
as faltas pequeninas, simples nadas;
absolve, purifica um charco imundo,
de linhas retas, faz encruzilhadas!

Vês? A vida é também contraditória!
Não te anule a opressão de um desatino!
Ponto final! E enceta nova história,

repetindo, a evitar outros tormentos;
- Assento os alicerces do destino,
"nos meus fecundos arrependimentos" (*]
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(*) Chave de Ouro de Guilherme de Almeida
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ESPERANÇA

Que falta faz a mão do Poverello,
mão chagada, que lembra o Salvador!
Mão que outras mãos unia, como um elo...
elo de luz fraterna, elo de Amor!

Que falta faz o ardor do seu anelo,
quando tentava unir a um só Pastor
as ovelhas dispersas - sonho belo,
que a vida se compraz em decompor!

E a vida o quanto vale?! - Um quase nada!
Por todo lado, há só gente empenhada
em fazer gente ser mais infeliz!

...Quem sabe ainda houvesse uma esperança,
se o mundo ouvisse a voz, humilde e mansa,
do bom Francisco... nosso Irmão de Assis!...
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O SABER

O saber, que arrebata e que mantém ativo
o lampejo do gênio e a fluência da história,
abre portas e as fecha, em rigor decisivo,
soberano senhor das chaves da memória.

Esse mesmo saber pode tornar cativo
o incauto que se ilude às promessas de glória
e, a erguer-se em pedestal, não mais que tolo altivo,
permite que a soberba o enleie compulsória!

Ao ver tombar ao chão seus castelos e aprumos,
na busca ao próprio eu, o homem se desengana
a revelar-se anão de limitados rumos!

Sem saber de onde vem, sequer sabe quem é!...
- Toda arrogância vã, toda a vaidade humana,
desmoronam aos pés, humílimos, da Fé!

Fonte:
Carolina Ramos. Destino: poesias. São Paulo: EditorAção, 2011.
Livro enviado pela poetisa.

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