Ivanoé, não suportava mais ver aquilo, a neta impaciente dividia o olhar, entre a janela da frente da casa e o telefone, instalado, na mesa no centro da sala de estar. Era um olhar difuso, um misto de desespero, de ansiedade, de expectativa e de dor.
– Márcia, minha filha, o que foi? O que tens, minha filha? – Disse impaciente Ivanoé, o delegado aposentado, ao interromper a leitura do Jornal da tarde, ele estava sentado confortavelmente, na poltrona de leitura. Ivanoé, estava aposentado somente há alguns meses da polícia civil, e desde que o seu único filho lhe faltou, deixando a neta, ainda um bebê de colo, como seu bem mais precioso na vida, nada mais importava de fato na vida do velho policial. Uma vez que a esposa de Ivanoé não era mais nada que uma mera sombra do passado, depois que ela faleceu, há tempos atrás. Era um passado que Ivanoé fazia questão de esquecer por completo.
Agora Ivan, como gostava de ser chamado na intimidade, estava aposentado do serviço público e agora não tinha mais que dividir seu tempo entre as duas coisas que mais amava na vida. Nada mais importava de fato, senão Márcia, sua neta. Uma vez que uma das suas duas paixões, a polícia civil, já não fazia mais parte da vida cotidiana de Ivan. Mas, ele não lamentava o fato, a vida é assim mesmo, tudo passa nesse mundo, menos a família, pois o sangue sempre prevalece. Pelo menos, era assim que o velho policial civil encarava como a vida deveria ser.
– Márcia, minha filha, o que é isso aí no teu braço?
– Ainda é uma tatoo meu pai, e foi mês passado, quando o senhor me fez a mesma pergunta. E hoje ainda é uma tatoo e será amanhã também uma tatoo. Ela vai ficar bem aqui, no meu braço por muito tempo! Vai ficar bem aqui e para sempre na minha vida.
Ivan gostou de ouvir a neta o chamar de pai. Mas, passou a não gostar do linguajar desrespeitoso da neta de tempos para cá, nem estava gostando das roupas que ela vinha usando, eram trajes diáfanos e negros como a noite. Márcia tão rebelde e revoltada com tudo e todos, como era parecida com Aldo nesse aspecto, pensou Ivan: ‘’Meu Deus, como Márcia é parecida com o Aldo em tudo!’’ – falou Ivan bem baixo.
E, olhando a neta parada diante dele, de repente Ivan foi tomado por velhas recordações, dos tempos da infância e da adolescência quando Ivan e Aldo eram praticamente inseparáveis. Eram insolúveis e indissociáveis, onde estava um, o outro também estava, onde um ia o outro também ia. E, como os caminhos tortuosos da vida adulta, fizeram os dois irmãos estarem em lados opostos. Ivan ingressou na policial civil e Aldo foi se engajar na luta armada. Eram os conturbados anos de chumbo, anos negros da ditadura civil militar.
Aldo desaparecera por completo, por algum tempo, da vida de Ivan, Aldo sumira em meio ao caos que o país estava mergulhado naquele momento sombrio. Ivan só ficou sabendo onde estava o irmão por vias tortas. E Ivan teve que ajudar o querido irmão a voltar para casa, e como foi difícil aquilo para Ivanoé, ver o irmão no cárcere, preso como um marginal qualquer.
– Filha, a tua amiga não te ligou mais e nem veio mais te visitar? Que coisa estranha? Não é mesmo minha filha? – A voz de Ivan era pastosa e cheia de ternura, muito diferente do tom forte e autoritário de poucos minutos atrás. Mas Márcia não respondeu a pergunta feita por Ivan, e como aquele silêncio incomodava Ivan profundamente.
Tinha aquela súbita união das duas moças, e de repente as duas eram tão inseparáveis. Era o cinema, a praia, espetáculos, as peças de teatro e os mais variados programas e até mesmo futebol as duas andaram assistindo juntas. E como aquilo deixava Ivan muito preocupado em demasia. Para Márcia, parecia que não existia mais ninguém no mundo, a não ser a amiga Cristina.
E agora esse sumiço repentino de Cristina, uma moça tão meiga e doce, tão diferente da neta. Cristina era diferente em tudo, nos estudos, nas roupas e tudo mais. Se Cristina era o frescor de uma manhã primaveril, Márcia era soturna e intensa como uma noite de tempestade e frio no inverno. A princípio, aquela estranha amizade não incomodava em nada o velho policial, ele até achava bom ver a neta, sempre solitária, na companhia de alguém. Mas, agora olhando por outro prisma, Ivan começou a pensar o oposto, aquela dependência de Márcia pela companhia da amiga, não deixava que Márcia vivesse a própria vida, trilhasse seu próprio caminho. Cristina monopolizava a vida de Márcia, de um tal jeito, que vinha assustando Ivan. Na visão do velho policial, a neta parecia querer viver a vida da outra. Era esse o confuso quadro formado na cabeça de Ivanoé.
– Aldo, meu irmão...
– O que foi, pai, tás falando comigo?
– Nada, minha filha, só estava pensando no teu tio, que ainda está morando no estrangeiro, saudades dele, só isso, minha filha. Márcia, o que é isso no teu nariz, minha filha?
– É um piercing...
– Já sei... já sei... ainda é um piercing, e foi mês passado quando o teu velho pai...
– Pai, o amor é mesmo uma coisa tão estranha, não é mesmo? Pega a gente de tal jeito, e não larga mais, e dói tanto!
Só agora olhando com mais atenção, Ivan notou na tatuagem em forma de coração, estava escrito Cris dentro da tatuagem.
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Texto enviado pelo autor.
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