segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Aparecido Raimundo de Souza (Tantos depois...)


FAZ MUITO TEMPO, você mora nos meus sonhos. Desde pequena, desde os quinze, você povoa meu universo de quimeras e devaneios. É como se a vida toda eu já soubesse da sua existência, sem você sequer existir dentro de mim. Junto com a minha vida, você veio, todavia, não se concretizou como eu realmente queria, ou seja, como um presente caído do céu. Um presente que para mim seria de cunho valoroso e, como eu disse e repito, sonhei a vida toda, e por infelicidade, nunca me chegou de verdade às mãos.  Com o passar do tempo, diante de meu querer, de meu desejar, de minha aflição tão forte, intensa e imensa, você finalmente acabou se materializando e caindo diretamente no meu caminho.

Lembro, nessa época, raiava a doce primavera dos meus dezessete. Hoje, anos depois, que ironia! Nos tornamos adultos. Temos vida própria, vivemos na mesma rua, mesmo bairro... compramos no mesmo supermercado e quando temos alguma indisposição, a farmácia logo ali na esquina nos recebe de portas abertas. Lado paralelo, moramos no mesmo prédio. Dividimos a mesma portaria, falamos com os mesmos vizinhos, faxineiros, porteiros, subimos os mesmos elevadores e quando falta luz, dispomos das escadas cansativas que nos permitem descermos ou subirmos usando os mesmos degraus e corrimões. Só o que não coincidiu foi o pavimento de nossos lofts. Uma gota minúscula no oceano da vida, se visto pela lógica da estuporação anunciada.

Estou no décimo oitavo e você no décimo quinto. Apesar desse pequeno deslize de sucessões inevitáveis provocados pelos reveses da vida, tivemos sorte. Numa dessas correrias do dia a dia, nos esbarramos no hall de entrada. Você vinha da rua cheia de sacolas de supermercado, eu saia com as mãos entulhadas de processos. A força do seu coração se emocionou quando nos reencontramos. Algo além de nós, ficou marcado. Foi tão forte a emoção, tão densa a alegria, magnânimo o sabor do encantamento, enfim, se fez tão robusta e eficaz, tão inexplicável e fogosa a nossa “topada” não programada, que o susto caiu vencido ao nosso redor. Igualmente, como um doce enlevo, nos brindou os recônditos da alma de uma maneira que eu não saberia como explicar ou descrever.

Lembro que você se abriu por inteira. Se fez largada, como mala velha num sorriso amplo. Se fez faceira, angelical e, ao mesmo tempo, tão pasma e adulta, tão mulher, tão nós, que no momento seguinte ao reencontro, me flagrei boquiaberto, ressuscitando pensamentos pretéritos e os colocando no jardim da sua magnificência. Senti-me voltando no tempo, retrogradando aos bastidores do nosso antigo e adormecido romance. Logo em seguida, você se fez tão linda e charmosa, tão carente e dona de si, tão submissa e necessitada, que, por momentos, pensei tivesse saído do plano terrestre e ido parar num universo paralelo de eternidades plenas.

Sua voz, ao me reconhecer –, deu um grito de acordar ilusões e acredite, todo meu ser se derramou auspicioso em festa de sustos e semelhantes abalos efervescentes. Com você de volta ao meu mundo, desde então, cada espaço vazio dentro de mim se encheu do seu júbilo. Cada olhar, agora, é como se renascesse, no meu “eu”, a cada “mirada”, a cada “pegada”, a flor cálida da nossa paixão imorredoura. No hall do nosso prédio, desde esse dia inesquecível em que nos reencontramos, que nos reaproximamos, que reassumimos as almas apartadas, a partir desse momento excelso em que reatamos o elo que estava rompido, esquecido, quieto, adormecido e, mais que isso, no instante exato em que abrimos e reconstruímos a passagem secreta para os caminhos possíveis, mormente às sendas não acontecidas, os vales e as dimensões não percorridas...

Como num passe de pura mágica, nosso outrora, nosso ontem, nosso gostar voltou às carreiras. Pintou do nada. Regressou a todo vapor de onde se via refugiado. Formalmente fomos atrás, juntos, de mãos dadas, em busca do velho amor. Tudo em nossas vidas criou beleza e cor. O nosso derredor floresceu. Virou magia. Aliás, para ser completo, ao encanto dessa magia, só faltava o elo do carinho se juntar no mesmo patamar de nossas emoções. Desde esse fortuito e inopinado dia, fizemos de nosso “ontem”, um novo “agora”. Não somos mais velhas lembranças adormecidas. Figuras retóricas de filmes antigos de nós mesmos. Abandonamos, no passado as fotografias amarelas, os papéis pálidos no palco onde nosso romance se tornou uma peça de final feliz. Hoje, agora, nesse momento, bem sabemos, vivemos a realidade que a cada manhã se reacende mais forte e pujante, mais cálida e indestrutível dentro da nossa – ou melhor dito –, daquilo que juntos, rostos colados, corpos em transe, almas em festa, corações batendo na mesma pulsação paradisíaca, chamamos de F E L I C I D A D E.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

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