sábado, 22 de outubro de 2022

Cecy Barbosa Campos (A chuva)


Chovia torrencialmente. Os relâmpagos riscavam a escuridão com linhas ziguezagueantes, que vinham do céu, antecipando os trovões que rugiam ameaçadores. Os veículos estavam parados na via pública, impedidos de continuar o seu trajeto, ou pela altura das águas ou pelo tráfego congestionado, que obstruía as ruas inundadas.

Apreensivos, os passageiros olhavam pela janela do ônibus, vendo os automóveis que o circundavam e que iam sendo abandonados pouco a pouco. Seus motoristas, em um certo momento, preferiam se aventurar a pé, tentando alcançar algum porto seguro, do que ficarem aprisionados sem conseguir dominar aquele frágil barco, que balançava ao sabor de ondas tempestuosas.

Analisando o duplo perigo que se lhes apresentava, os passageiros hesitavam entre sair e enfrentar a água, que talvez pudesse alcançar-lhes a cintura, conforme a estatura do indivíduo, ou permanecer dentro do ônibus, o que lhes transmitia alguma sensação de segurança. Entretanto, em pouco tempo, esta segurança se manifestou enganosa.

Os bueiros entupidos não conseguiam dar vazão à água da chuva e lançavam jorros de imundície e detritos aos borbotões. A inundação fétida começava a subir os degraus do ônibus, pois a chuva continuava, incessante.

Apavorada, Zildinha pensava em como desejava chegar ao seu modesto quarto, alugado numa casa do subúrbio. Nem se lembrou das vezes em que, voltando do trabalho, não tinha vontade de chegar, pois odiava aquele quartinho. Sonhava com o dia em que pudesse morar num apartamento onde usaria a cozinha e o banheiro à vontade e receberia os amigos. Naquele momento, seu quarto parecia um palácio inatingível e não ansiava por nada melhor.

Enquanto se imaginava protegida por aquelas paredes, imersa em si mesma, não chegou a perceber que a chuva fizera uma estiagem. Foi surpreendida por seus companheiros de viagem que davam vivas e batiam palmas, entusiasmados com uma réstia de sol da tarde que penetrara no ônibus.

Decorridos alguns minutos, o motorista avisou que a água estava baixando e que logo que o trânsito começasse a fluir, retomariam o seu caminho.

Ao chegar, Zildinha foi recebida com carinhosa alegria pela dona da casa em que morava e, fragilizada pela aflitiva experiência pela qual passara, não pôde conter as lágrimas de emoção sentindo-se amparada por aquela senhora que lhe parecia tão distante.

A chuva estabelecera elos de comunicação entre as duas, suavizando problemas de isolamento que tanto afetam as pessoas no mundo moderno.

A partir daquele instante, Zildinha começaria a encarar as dificuldades da vida com um novo olhar. Estaria alerta para a chegada de uma réstia de sol, que poderia surgir a qualquer momento em meio à tempestade, fosse na forma de um sorriso, um carinho ou um estender de mãos.

Fonte:
Cecy Barbosa Campos. Recortes de Vida. Varginha/MG: Ed. Alba, 2009.
Livro enviado pela autora.

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