Foi de tristeza aquele dia.
Minha mãe, desolada ainda que ali me tivesse no aconchego do seu amor, já me avistava na desventura do lúgubre destino profetizado, como em anátema, por meu pai: vagando, descalço e roto, com fome, pedindo esmola a troco de canções como os mendigos que vão de porta em porta e cantam plangentemente para comiserar.
Poeta!
A própria ama, compadecida de mim, fez uma promessa à Nossa Senhora para que me protegesse contra o mau fado. E todos que souberam da minha infelicidade – vizinhos, amigos, simples, conhecidos lastimaram-me, aconselhando-me a não persistir naquele vício e perdição. Tive medo, medo supersticioso sentindo-me como cercado de maldições.
Tudo me parecia hostil; as próprias árvores como que se retraíam, negando-me a sombra dos seus ramos. E os que cruzavam comigo olhavam-me de soslaio, com desprezo, desviando-se como de um leproso.
Poeta!
Mas como descobrira meu pai os meus primeiros versos, que eu escondera como um furto nas páginas do dicionário?! É bem certo que o coração dos pais adivinha.
Jurei a mim mesmo nunca mais escrever canções, ainda que os versos me afluíssem prontos, com imagens e rimas, como vêm à haste as flores com a cor viçosa e trescalando aroma.
À noite, tarde, no silêncio da casa apagada, já deitado, ouvi cantar dentro de mim, muito longe, numa suave saudade.
A voz era meiga e, até de madrugada, rimei às escondidas, n’alma, canções formosas, que se perderam porque nunca as escrevi para que meu pai as não achasse, irritando-se com elas e fazendo chorar de tristeza minha pobre mãe.
Eis por que não conservei as canções da minha adolescência quando, sem ainda amar, já decantava o amor, como se sente a luz, antes de ver sol.
Fonte:
Coelho Neto. Canteiro de saudades. Porto: Lello, 1927.
Coelho Neto. Canteiro de saudades. Porto: Lello, 1927.
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