segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Jerson Brito (Sonetos Escolhidos) 2


FERIDAS FECHADAS


Bendigo as cicatrizes que hoje ostento
porque comprovam lutas superadas,
feridas dolorosas, mas fechadas
à custa de esperança e sofrimento.

Não nego que existiu abatimento
frente aos reveses destas caminhadas,
perante o medo e nas encruzilhadas
surgidas no percurso pardacento.

Os tombos me ensinaram que a derrota
faz parte do processo necessário
à formação das mentes vencedoras.

Quando menos se espera a força brota
no ventre de um prolífero calvário
para conter as outras, opressoras.
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LÁGRIMAS AO VENTO

À sombra do carrasco o pó se espalha
nos dentes de seu tétrico brinquedo
e escreve outro capítulo a batalha
sem novo vencedor, sem novo enredo.

Um golpe, um tombo, a ríspida navalha
assustam logo todo o passaredo:
as folhas se transformam em mortalha
no derradeiro embate do arvoredo.

O vento leva as lágrimas vertidas
por muitas anciãs desprotegidas
Enquanto desvanece, nua, a terra.

O ronco cessa, a rude mão descansa
e vaga na clareira a vista mansa
do jovem que conduz a motosserra.
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Menção Honrosa no 9º Concurso Literário da AML – Academia Madureirense de Letras – Prêmio "Austregésilo de Athayde" 2020.
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O MENINO

Atrás de um garotinho que corria
na rua de cascalho, em vão, também
corri o quanto pude, mas ninguém
acompanhar-lhe o passo poderia.

De igual maneira, as cores da alegria
em meu olhar lançavam seu desdém,
fugiam dos apelos de um refém
daquele resplendor que fenecia.

Brinquedos eu perdi, precipitados
no abismo onde definha a formosura
dos dias pelos ventos devorados.

O asfalto que recobre a sepultura
dos tempos outra vez rememorados
desfaz um sonho cheio de doçura…
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PORCELANAS

Vivemos nosso conto ao arrepio
de convenções antigas, puritanas,
levados pelas fábulas mundanas
às garras do faminto desvario.

Desesperadas bocas têm, ciganas,
os pratos de um banquete fugidio
e engolem, neste falso senhorio,
manjares, deslizando em porcelanas.

Olhamos ao redor as rachaduras
crescerem nas paredes destes mundos
erguidos sobre bases quebradiças.

Mais uma vez seguimos, às escuras,
roteiros diferentes mas fecundos
em solidão, carências e cobiças.
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RIOS DE FOGO

Faceiros, partilhamos balbucios,
ardendo entre blandícias, completude:
declarações repletas de inquietude
ouvidos tomam, nutrem arrepios.

A ebulição dos lábios erradios
consente que o desejo se desnude;
dos corpos toma posse a lassitude,
sem fôlego, de lavas somos rios...

À mesa dos prazeres, cobiçosos,
servidos de banquetes majestosos,
aproveitamos tudo, imoderados.

Olhares e sorrisos dardejantes
são marcas desenhadas nos semblantes
pelo arrebatamento transformados.

Fonte:
Recanto das Letras do poeta
https://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?pag=9&id=50832&categoria=Z

Um comentário:

Anônimo disse...

O Jerson Brito é incrível, um poeta completo. Parabéns!!!