segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Moacyr Scliar (Parada obrigatória)


Mil lugares para conhecer antes de morrer é um best-seller  mundial da americana Patricia Schulz. (23/04/2006)

Tão logo ele tomou conhecimento dos mil lugares imperdíveis no mundo decidiu: seria o primeiro brasileiro a conhecê-los todos. Homem muito rico, recursos para isso não lhe faltariam. Pretendia, inclusive, realizar esse périplo em tempo recorde, em primeiro lugar para dar à façanha ainda maior destaque e depois porque, pela idade, já não podia fazer planos a longo prazo. Assim, tudo o que faria era entrar nos lugares mencionados na obra, tirar uma foto e  seguir adiante.  

Consultou um amigo, dono de uma grande agência de turismo. Sim, era possível fazer aquilo em um ano, desde que ele alugasse um jatinho particular. O que sem demora foi feito, e assim partiu, disposto a visitar pelo menos três lugares por dia. Era difícil, mas ele o conseguiu, e assim pouco a pouco foi riscando os lugares de sua lista.  

Deixou o Brasil para o fim. Em nosso país eram cerca de 20  lugares, a maioria deles em São Paulo, cidade onde nascera e onde morava. Os amigos esperavam que ali se encerrasse a gloriosa trajetória, mas seus planos eram diferentes. Queria terminar com o Copacabana Palace, no Rio.

Havia uma razão para isso, uma razão muito especial. Anos antes ele se apaixonara por uma mulher, uma jovem e linda carioca.  Paixão tão fulminante, tão avassaladora, que decidira largar tudo, esposa, filhos, empresas e viver com a moça no Rio. Para tanto, haviam marcado um encontro no Copacabana Palace. Encontro ao qual ele não compareceu. Chegou a viajar para o Rio, e, no aeroporto, tomou um táxi para ir ao famoso hotel, mas  no meio do caminho desistiu: não, não abandonaria tudo que havia conquistado por causa de uma aventura amorosa. Retornou a São Paulo sem ir ao Copacabana Palace, que aliás nem conhecia.  

Agora, finalmente, adentraria o hotel. Não mais para uma aventura, mas para gozar seus quinze minutos de fama. Seus assessores  haviam avisado a imprensa, que lá estaria para registrar o clímax da  aventura, a chegada ao último dos mil lugares.  

Já era noite quando o jatinho pousou no aeroporto. Ele tomou  um táxi. Nervoso: já estava atrasado. E, para cúmulo do azar, havia  um congestionamento em Copacabana. Decidiu completar o trajeto  a pé, apesar das advertências do motorista.  

Já estava a uns duzentos metros do famoso prédio da Avenida  Atlântica quando o assaltante lhe apontou o revólver. Ele fez um  gesto - um gesto que queria dizer, leve tudo, mas não me retenha, tenho um encontro com o Destino -, mas foi mal interpretado: o  homem achou que ele tentava reagir e disparou.  

Caído no chão, agonizante, tinha apenas uma mágoa: havia um lugar, um único entre mil outros lugares, que ele não veria antes de morrer. O problema, concluiu antes de expirar, é que a gente não  pode ter tudo o que se quer na vida.

Fonte:
Moacyr Scliar. Histórias que os jornais não contam. Ed. Agir, 2012.

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