Isso me leva a recordar de outros episódios, agora divertidos, pelos quais passei. Eu ainda não relatei, mas Renato possuía algo que perturbava minha mente que, embora infantil, era leitora de enciclopédias e já manifestava a tendência racional-científica que fundou a frio nosso mundo tecno-científico e a tudo manieta, retifica e constrange. Esse algo era o que se costuma chamar de “sexto sentido”. Sim, aquele rapazinho que jamais entrara numa escola (não havia lei, ou a lei não tinha força que obrigasse a mãe dele, Bebete, a matriculá-lo), possuía um sinistro sexto sentido que o avisava, geralmente com apenas alguns segundos de vantagem, de que algo de ruim estava prestes a acontecer; que a jangada pirata iria naufragar, a aventura do momento estava em vias de dar errado.
Relato uma das mais prosaicas e inofensivas destas vezes em que tal sentido do "malandrim" nato se manifestou. Certa noite, ele me chamou para “darmos uma espiada” em frente da casa de uma certa menina, uma linda negrinha, que estava há pouco tempo no bairro.
Nato estava enamorado...
Acontece que a tal menina morava numa casa, a de sua avó, em que infelizmente (isso sempre é uma infelicidade quando acontece com a mulher de quem você gosta) moravam muitos homens – eram os tios dela, todos solteiros e ainda albergados em roda da saia da matrona.
Pois bem, lá estávamos nós, acocorados no mato em frente daquela casinha de telhas francesas e sem cercas. A rua estava deserta, pois o bairro naqueles tempos era menos povoado e a hora já ia avançando noite adentro; podíamos divisar, dentro da casa de janelas de madeira abertas, o trânsito dos moradores, inclusive da princesinha de ébano. Eu olhava para a rua de quando em quando, pois nossa atitude, embora de intenções inocentes, era também suspeita. Foi quando Renato, fulminado por seja lá que tição do céu ou do inferno, entregou o oráculo: “Tô com a sensação de que vai acontecer alguma coisa ruim...”.
“Que nada, a rua tá deserta e nós não estamos fazendo nada”, respondi. Um breve momento de indefinição foi suspenso pela aparição, ex nihilo, sim, direto do nada, de um dos tios da menina, bem na nossa frente. Como aquilo se deu? E era justamente Elias, o mais “brabo” dos moradores da casa. Renato foi apanhado pelo braço, e tomou uma salva de cascudos. Eu também levei o meu e me dei por satisfeito – bem, em geral eu ficava para trás e arcava com as consequências sozinho. As explicações sobre os puros sentimentos do jovem Romeu, ao invés de tocarem o coração de Elias, tiveram o resultado oposto, enfurecendo ainda mais o valentão. Se tivéssemos corrido quando o oráculo deu o alarme...
Carimbados de cascudões e devidamente jurados em caso de reincidência em tal “crime” – simplesmente observar o evolar de uma virginal donzela, veja você – partimos para nossas casas, contrariados por mais uma injustiça da vida.
Renato jurava “vingança” quando crescesse. Quanto a mim, bem, em boa parte de minha infância, receber um cascudo era como receber um bom dia.
Relato uma das mais prosaicas e inofensivas destas vezes em que tal sentido do "malandrim" nato se manifestou. Certa noite, ele me chamou para “darmos uma espiada” em frente da casa de uma certa menina, uma linda negrinha, que estava há pouco tempo no bairro.
Nato estava enamorado...
Acontece que a tal menina morava numa casa, a de sua avó, em que infelizmente (isso sempre é uma infelicidade quando acontece com a mulher de quem você gosta) moravam muitos homens – eram os tios dela, todos solteiros e ainda albergados em roda da saia da matrona.
Pois bem, lá estávamos nós, acocorados no mato em frente daquela casinha de telhas francesas e sem cercas. A rua estava deserta, pois o bairro naqueles tempos era menos povoado e a hora já ia avançando noite adentro; podíamos divisar, dentro da casa de janelas de madeira abertas, o trânsito dos moradores, inclusive da princesinha de ébano. Eu olhava para a rua de quando em quando, pois nossa atitude, embora de intenções inocentes, era também suspeita. Foi quando Renato, fulminado por seja lá que tição do céu ou do inferno, entregou o oráculo: “Tô com a sensação de que vai acontecer alguma coisa ruim...”.
“Que nada, a rua tá deserta e nós não estamos fazendo nada”, respondi. Um breve momento de indefinição foi suspenso pela aparição, ex nihilo, sim, direto do nada, de um dos tios da menina, bem na nossa frente. Como aquilo se deu? E era justamente Elias, o mais “brabo” dos moradores da casa. Renato foi apanhado pelo braço, e tomou uma salva de cascudos. Eu também levei o meu e me dei por satisfeito – bem, em geral eu ficava para trás e arcava com as consequências sozinho. As explicações sobre os puros sentimentos do jovem Romeu, ao invés de tocarem o coração de Elias, tiveram o resultado oposto, enfurecendo ainda mais o valentão. Se tivéssemos corrido quando o oráculo deu o alarme...
Carimbados de cascudões e devidamente jurados em caso de reincidência em tal “crime” – simplesmente observar o evolar de uma virginal donzela, veja você – partimos para nossas casas, contrariados por mais uma injustiça da vida.
Renato jurava “vingança” quando crescesse. Quanto a mim, bem, em boa parte de minha infância, receber um cascudo era como receber um bom dia.
Fonte:
Sammis Reachers. Renato Cascão e Sammy Maluco: uma dupla do balacobaco. São Gonçalo/RJ: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.
Sammis Reachers. Renato Cascão e Sammy Maluco: uma dupla do balacobaco. São Gonçalo/RJ: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário