segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Lairton Trovão de Andrade (Enxurrada de Poemas) – 9 –


ASA BRANCA

"Em nossa terra já se houve a voz da pomba."
(Ct. 2.12)


Asa-branca do sertão,
Foste, um dia, aprisionada,
Impiamente lacerada,
Por abutre sanguinário;
Teu encanto fora em vão,
Tua meiguice deprimiu-se,
Teu espírito extinguiu-se,
- Este abutre é funerário.

A tristeza a dor suscita,
A campina chora a flor,
E saudade de um odor
Que se esvai em crime bárbaro.
Asa-branca, ressuscita!
Onde estás, ó ave rara?
Vem trazer doçura cara!
- Este abutre é sangue tártaro.

Asa-branca depenada,
- Que tragédia tenebrosa!
Esta garra criminosa
Faz do cão vil animal.
Tua candura - avermelhada...
Como é triste a tua face!
A vergonha é teu impasse!
- Este abutre é irracional.

Asa-branca, ressuscita!
Por ti chora a cachoeira,
Vê: Murchou a quaresmeira
Nas encostas dessas águas;
Até a pobre parasita
Abre os braços com ternura,
Esperando a rola pura
Vir calar as suas mágoas.
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ESTRELA D'ALVA
'"Mais deliciosos que o vinho são teus amores."
(Ct. 4.10)


O amor é sem fronteira,
Diz sempre o coração;
Fragrâncias seresteiras
- O amor é uma canção.

Mil dias são passados,
Momentos definidos;
No amor somos regados,
No amor fomos unidos.

E quando, em solidão,
Eu busco a luz que salva,
Contemplo na amplidão
A minha Estrela-d'alva.

Formosa é minha Estrela,
Igual não há no céu:
Eu quero sempre vê-la
Daqui do meu vergel.

Qual chama de uma vela,
Sou eu sempre a queimar;
Se não sonhar com ela,
Vou logo me apagar.

O olhar de quem me salva
Eu quero sempre ter;
Ó doce Estrela-d'alva,
Por ti vale o sofrer!

E eterna em pensamento
A Estrela em seu brilhar;
Mil preces - doce alento -
Nas ondas deste mar.
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MARÍLIA
"É gracioso o teu pescoço entre os colares de pérola.”
(Ct. 1.10)


... E tanto sonhou,
Donzela inocente,
Em ter um amor,
Sublime e clemente,
Que fosse exclusivo
Com muito calor,
De puro romance,
Só mesmo de amor.

Sonhou com amor,
Menina inocente,
E um novo Dirceu
Surgiu-lhe na frente,
Com seiva de vida
- Real salvador -
De puro romance,
Só mesmo de amor.

De um sonho visão,
Idílio de amor,
Beleza do lírio,
Rosáceas de odor.
Poema d'aurora,
Do autor juvenília,
Essência da ópera,
Oh, nova Marília!

O amor encontrou
Paixão neste amor,
Suspiros em versos,
Canção de louvor;
Se és a Marília,
Sou todo Dirceu,
Assino meu nome,
Marília, sou Eu!
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Marília: Personagem do romantismo poético de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), grande poeta da Inconfidência Mineira.
Dirceu: Personagem romântico da poesia de T. A. Gonzaga.
Juvenília: Obras ou escritos da mocidade de um autor.

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RECEIO
"Foge... como a gazela sobre os montes perfumados."
(Ct.8.14)

Dúvidas tenho e muito receio,
Quando te vejo fugindo assim;
Não há magia de olhar algum
Que possa, então, apresar-te a mim.

Chateado penso comigo mesmo,
Quando te vejo fugindo tanto:
E coração expulsando amor,
Que mal eu posso esconder meu pranto.

Que há contigo, meu grande sonho,
Pra estar assim a me repudiar?
Que crime foi que te cometi?
- Eu bem te quis... eu te quis amar.

Quando à tardinha caindo está,
Pra mim, voando, vem a saudade;
Sinto em minh'alma tua grande ausência,
Naquelas horas de eternidade.

Quando amanhece, nem posso crer,
Vou procurar-te - por Deus suplico;
Pra disfarçar este amor que dói,
Bem solitário a esperar-te eu fico.

Fonte:
Lairton Trovão de Andrade. Madrigais: poesias românticas. Londrina/PR: Ed. Altha Print, 2005.
Livro enviado pelo autor.

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