quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Caldeirão Poético LIV


Corina Rebuá

(1899 – 1957)

QUE INSÔNIA!

Como faz frio neste quarto agora!
A chuva bate em cheio na vidraça.
E o relógio da igreja, de hora em hora,
Soa. Há passos na rua... E a ronda passa...

Não consigo dormir. Como demora
Esta vigília que me torna lassa!
Se abro um livro, não leio. E lá por fora
Chove. Há passos na rua... E a ronda passa...

Dormes? Não creio... Eu sei que estás velando,
Porque eu pressinto que, de quando em quando,
Vem o teu corpo fluídico e me enlaça.

O relógio da igreja está batendo.
São quatro horas... Que insônia! Está chovendo.
Ouço passos na rua... E a ronda passa.
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Pedro de Alcântara Worms
Pinhal/SP

ALMOÇO DE NOIVADO...

"Bom partido", daí dona Consuelo
dar banquete ao noivado de Tereza,
usando essa conversa já modelo:
— ... “a noivinha é quem fez a sobremesa...”

E que celebração!... Quanto desvelo!...
Foi tudo do melhor e com largueza,
não houve um só senão... um atropelo,
até aquele instante — que beleza!...

A hora do brinde, o noivo, empanturrado,
elogia, gentil, o lauto almoço:
— ... "mas eu nunca comi com tal agrado,

mesa assim nunca vi!...” E, num endosso,
diz o filho caçula ao convidado:
— ... "nós também nunca viu, assim, seu moço!...”
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Rosemar Pimentel
Niterói/RJ, 1905 –

PEQUENINO MORTO

Morreu. Vestiram-no de branco e veio
entre outras crianças rútilas, mimosas,
dar o corpinho emagrecido e feio
à tristeza das tumbas dolorosas.

As mãozinhas em cruz, postas no seio,
como duas saudades silenciosas,
tornavam-se mais lívidas, no meio
das grinaldas, dos lírios e das rosas.

Eu, que encontrei o féretro na estrada,
penso na dor de quem ficou sozinho
e vejo, pela aldeia desolada,

que quando passa o corpo desse anjinho,
enquanto os outros pais não dizem nada,
o coração das mães chora baixinho!...
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Waldir Neves
Rio de Janeiro/RJ, 1924 – 2007

VIVER

Vamos, querida, pelo mundo afora,
mirar os lírios brancos dos caminhos...
Vamos beber a luz pura da aurora,
embalados nos cânticos dos ninhos.

Vamos de perto ver a flor que chora,
pela fonte levada em torvelinhos...
Vamos colher as rosas, sem demora,
antes que murchem — sem ligar a espinhos.

Vamos buscar o belo onde ele exista,
sempre a sonhar, sonhando noite e dia,
que é com sonhos que o belo se conquista.

Vamos criar a mística de crer
que a vida é bela... é amor... é fantasia...
e há que sonhar e amar... para viver!...
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Zalina Rolim
Botucatu/SP, 1869 – 1961, São Paulo/SP

CAMPESTRE

Longe da estrada, à beira do riacho
que molha os pés relvosos da colina,
vejo-lhe o teto enegrecido e baixo
e a cancelinha baixa e pequenina.

Da chaminé desprende-se um penacho
de fumo branco. Levemente inclina
a verde palma sobre o loiro cacho
do coqueiro frondoso a aragem fina...

Faísca o sol. Do terreirinho à frente,
galinhas, patos, debicando o milho,
batem as asas preguiçosamente.

Nem um rumor de pássaros palpita;
e a roceirinha, adormecendo o filho,
canta lá dentro uma canção bonita.

Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

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