quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Benedita de Mello (Poemas Avulsos) 2


A CIDADE DE VICÊNCIA

 Minha cidade pobre e pequenina!
Virgem rezando aos pés do Sirigí!
E’ simples como as flores da campina,
bendita sejas, terra onde eu nasci.

 Cedo, ao fechar seu cálice — a bonina,
olhas o sol! E o sol, cheio de si,
beija-te a silhueta alva e franzina.
Bendita sejas, terra em que eu sofri.

 Amo-te assim, calcada e reprimida,
pelos donos de engenhos explorada,
sem pão, sem vestes, sem amor, sem vida.

É minha a tua dor. São meus os ais
que os teus carros de boi deixam na estrada,
levando o sangue dos canaviais.
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CARNAVAL

Tu não eras assim quando eu te amei.
Do que foste, só tens o nome que usas.
Atitude ora de anjo, ora de rei,
Tinhas virtudes grandes e profusas.

Não fugias ao bem que hoje recusas.
Eras a perfeição com que eu sonhei.
Se de tanto mudar, te não acusas,
É que não sabes que mudaste, e eu sei.

O carnaval chegou, te mascaraste.
De fingir que eras outro, outro ficaste,
Sem perceber que estavas diferente.

O rei momo passou. veio outro dia.
Mas nunca mais te vi sem fantasia,
Retomar o teu eu de antigamente.
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DESPOJOS

Vai-se partindo aos poucos, laço a laço,
Aquele nosso grande amor de outrora.
Ontem foi um desgosto, hoje embaraço.
Amanhã vai-se uma ilusão embora.

Mais uma falsidade revigora
Em minha alma essa dor, esse cansaço.
O próprio ciúme, com um sopro escasso,
Está fadado a perecer agora.

Nada mais acharás, quando voltares,
Que o fundo sono desse amor acorde:
Nem desejos, nem sonhos, nem pesares...

E embora em ti de novo o amor transborde,
Sentirei nos meus lábios, se os beijares,
O sabor da perfídia que me morde.
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DESTINO

Serei sempre algo que te pertenceu.
Um dia fui a tua aspiração.
Fui depois, sem saber, o tudo teu,
Tua sincera e única afeição.

Fui mais tarde um brinquedo em tua mão...
Logo após, uma flor que esmaeceu,
No vaso rubro do teu coração.
Agora, sou teu sonho que morreu...

Hei de ser sempre alguma coisa tua.
Coisa que o teu desprezo não destrua...
Farta, sutil e eterna como a poeira.

E contra o teu querer, tua vaidade,
Quando não puder ser tua saudade,
Eu serei teu remorso a vida inteira.
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ESCONDIDA

Quando em criança, ainda bem criança,
Toda vida levava em brincadeira...
Corriam, a buscar-me, a casa inteira
As meninas de toda a vizinhança.

Debaixo de uma mesa ou uma cadeira,
Por fim era encontrada... que folgança!...
Correria... algazarra... sem tardança,
Ia esconder-se alguma companheira...

Hoje, no sazonar de nossas vidas,
Jogo às vezes sozinha às escondidas
Nas noites em que o ar tem cheiro à lua...

Numa alegria que não podes ver,
A minha alma brincando de esconder,
Fica toda encolhida atrás da tua...
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Benedita de Mello foi uma poetisa e escritora brasileira. Também fundou instituições sociais para cegos. Cega de nascença, publicou diversos livros de poemas. Educadora, professora do Instituto Benjamin Constant, do Rio de Janeiro, onde residia. Seus versos são por vezes perpassados de uma serena amargura. Em seu livro Sol nas trevas, ela descreve a vida vista pelo intelecto de um cego. Matriculou-se no IBC em 1920 e em 1928 tornou-se professora. Seu nome chegou a ser cogitado para a Academia Brasileira de Letras. Seu gênero era basicamente o soneto. (wikipedia)

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