quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Estante de Livros (O Bobo, de Alexandre Herculano)


É um romance histórico de Alexandre Herculano, publicado inicialmente em “Panorama” em 1843 e editado postumamente em volume, apenas em 1878.

A história toda se passa no castelo de Guimarães ou nos seus arredores. O período é o da independência de Portugal e gira em torno dos antecedentes e dos acontecimentos da batalha de Aljubarrota (1136).

O autor situa a narração no ano de 1128, dias antes da batalha de S. Mamede que opôs o exército de D. Afonso Henriques ao da sua mãe D. Teresa.

A trama se sustenta sobre personagens históricos: D. Tareja está recebendo em seu castelo a Fernando Peres, conde de Trava, com quem deve contrair matrimônio, porém, o filho, D. Afonso Henriques é contra a presença de Fernando Peres por considerá-lo um usurpador e um tirano.

Dom Bibas é um bobo da corte que vive no castelo de Guimarães. Dulce, uma das sobrinhas de D. Tareja tem uma paixão secreta por Egas Moniz, cavaleiro pobre que luta ao lado de Afonso Henriques.

No castelo existe um temor de que se desenrole uma batalha envolvendo o conde de Trava, que tem a seu dispor maiores e melhores tropas e Afonso Henriques, que tem o apoio de uns poucos nobres portugueses.

O Conde de Trava incentiva um jovem cavaleiro, Garcia Bermudez, a tentar desposar Dulce. Conta-se no castelo que a paixão do jovem cavaleiro pela moça é notória, porém, a moça não dá esperanças aos apelos do cavaleiro.

Dom Bibas é repreendido por ouvir conversas entre o Conde de Trava e o cavaleiro Garcia Bermudez, Dom Bibas, inclusive, caçoa com seus versos o nobre. O bobo é mandado ser açoitado e jura vingança. Após esse fato, ficamos sabendo que D. Bibas conhece uma passagem secreta que dá para fora do castelo de Guimarães, por meio dela, manda avisar a Afonso Henriques do que se desenrola no castelo.

O Lidador, Gonçalo Mendes de Maia, está do lado de Afonso Henriques e planeja uma forma de ajudar o desafiante ao poder do Conde de Trava Egaz Moniz, que estava com a tropa de Afonso Henriques vindo em direção do castelo de Guimarães trazendo uma mensagem de paz. Porém, o Conde de Trava ignora o pedido de paz e prende o emissário. Dulce ao saber da prisão do amado, consegue falar-lhe, porém, conta que para que o cavaleiro amado ficasse vivo fora obrigada a se casar com Garcia Bermudez. Egas Moniz não aceita a explicação e se considera traído no amor. Dom Bibas faz ver a Egaz Moniz - este desejoso de vingança - que seria melhor fugir pela passagem secreta e depois da batalha poderia vingar-se de Garcia Bermudez.

Não existe propriamente a narração da batalha no romance. A narrativa retoma já depois de ocorrida a batalha entre Afonso Henriques e Fernando Peres. Explica-nos o narrador que a vitória fora de Afonso Henriques e que nessa batalha Egaz Moniz matara Garcia Bermudez. Dulce, porém, não aprova a violência daquela morte, por entender que Egaz Moniz se tornara um homem violento e desejoso de vingança e então a jovem se mata. Egaz Moniz, depois, retira-se levando vestindo-se com as roupas de um frade. Dias depois, Egas Moniz aparece morto, vestido de frade sobre o túmulo de Dulce.

Dom Bibas viverá no castelo de Guimarães na corte de Afonso Henriques dias de tranquilidade, uma vez que um dos grandes trunfos na batalha, fora a entrada secreta pela qual vários soldados de Afonso Henriques puderam passar.

Segundo Herculano, “Dom Bibas não era bobo; era o diabo”

Mas no meio do silencio tremendo de padecer incrível e de sofrimento forçado, um homem havia que, leve como a própria cabeça, livre como a própria língua, podia descer a subir a íngreme e longa escada do privilegio, soltar em todos os degraus dela uma voz de repreensão, punir todos os crimes com uma injúria amarga, e patentear desonras de poderosos, vingando assim, muitas vezes sem o saber, males e opressões de humildes. Este homem era o truão. O truão foi uma entidade misteriosa da Idade Média. Hoje a sua significação social é desprezivel e impalpável; mas então era um espelho que refletia, cruelmente sincero, as feições hediondas de sociedade raquítica e incompleta. O bobo, que habitava nos paços dos reis e dos barões, desempenhava um terrível ministério. Era ao mesmo tempo juiz e algoz; mas julgando, sem processo, no seu foro íntimo, e pregando, não o corpo, mas o espirito do criminoso no potro imaterial do vilipêndio.

O autor descreveu a importância que era dada ao cargo do truão, aumentando ainda mais o sentimento de inconformidade por ele ter recebido o castigo injusto devido a apenas realizar sua função, seu trabalho com um jogral. Ele era o único que caminhava na hierarquia estabelecida e podia julgar a todos sem consequências. No seu momento truanesco, o bobo ria de todos e até o rei era considerado como “seu servo”. Mas passadas as horas de festa e deleite, a vida do truão era miserável e, apesar de criticar a todos, D. Bibas é descrito como alguém que jamais desrespeitou quem não merecia, diferente do Conde da Trava. De certa forma, isto tenta justificar o fato de o bobo ter se vingado contra quem o maltratou, o desrespeitou e desrespeitou as tradições portuguesas.

As personagens do drama amoroso (Egas Moniz, Dulce e Garcia Bermudez) bem como o próprio Dom Bibas são personagens ficcionais. Um outro personagem que aparece na história é o jovem cavaleiro Tructesindo, que embora tenha um papel secundário, será relembrado por Eça de Queirós em A Ilustre Casa de Ramires. Outro personagem secundário é o Frei Hilarião, que morre de tanto comer.

Fontes:
Orfeu Spam
Passeiweb
– Larissa da Costa Oliveira, “O bobo" e a secularização das origens de Portugal em Alexandre Herculano  – XXVIII Simpósio Nacional de História. Florianópolis/SC, 2015. Disponível em pdf nos Anais do Simpósio.

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