terça-feira, 8 de dezembro de 2020

O Soneto – Parte 4

Texto de José Roberto Gullino

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Quando se estuda música ou pintura, inicia-se pelos clássicos, para depois, cada um seguir o caminho que melhor vislumbrar. Na poesia também deveria caminhar na mesma sequência, porém, como está atrelada ao aprendizado da língua escrita, as pessoas não se preocupam em estudar suas origens.

Particularmente, com o soneto, não basta absorver suas regras e normas, simplesmente – há inúmeros detalhes que o poeta tem que se ater para não tirar o valor de seu trabalho, além da métrica e da acentuação. É a rima – um dos quesitos primordiais, que deve ser sempre apurada, mas não sofisticada, procurando fazê-la entre verbos, substantivos e adjetivos para não perder seu sabor auditivo e evitar o abuso de verbos no infinitivo, principalmente os da 1ª conjugação, que provocam uma sonoridade cansativa e da mesma maneira não se deve rimar singular com plural, nem cometer o pecado de utilizar rimas iguais, que quebram um pouco a musicalidade. Há poetas que procuram se sofisticar com palavras diferentes – possivelmente para mostrar intelectualidade ou por falta de rimas – isto poderia ser usual no passado quando o vocabulário era mais requintado, já que hoje os bons dicionários de rimas nos livram de tal necessidade, como bem nos alerta Mello Nóbrega em seu livro. Atualmente, o que dá beleza ao poema é a simplicidade de linguagem, propiciando uma fácil assimilação e compreensão, pois o que pesa num poema é seu conteúdo, sua essência, o desenvolver do tema abordado – seu efeito.

Tratando-se de soneto, o maior expoente no assunto, entre nós, foi o poeta Vasco de Castro Lima (1904/2002?) com o livro “O mundo maravilhoso do soneto”, quando penetrou com tanta profundidade em suas reentrâncias, ao longo de mais de 1.000 páginas. Geir Campos também deu uma grande contribuição com o “Pequeno Dicionário de Arte Poética”. Edgard Rezende participou com seus exemplos em “Os mais belos sonetos brasileiros”, que reproduz pequenos dados sobre cada poeta e J. G. de Araújo Jorge completou com a coletânea “Os mais belos sonetos que o amor inspirou”, em quatro volumes, abrangendo trabalhos de todos os cantos do mundo. São detalhes importantes para os que querem seguir os meandros do soneto e cujos livros já estão desaparecidos (só conseguidos raramente nos sebos) e que, se vivêssemos num país realmente preocupado com a cultura, reeditariam tais obras para satisfação e incentivo dos cultivadores do segmento poético, pois são textos que não saem de moda mas que também não são de vendagem imediata, como é desejo das editoras, porém, bem poderiam ser editados pela Biblioteca Nacional. Outros trabalhos, ainda, deveriam ser revividos como “Tratado de versificação”, de Bilac e Guimarães Passos e “Rima e Poesia” de Mello Nóbrega (embora com conteúdo mais amplo, exemplificando em vários idiomas), além de muitos outros que vão sumindo da lembrança de todos. Hoje não há mais necessidade de se seguir regras nem de um poeta se nortear – “todos são poetas”.

Quanto à metrificação, por ser um assunto mais complexo, trataremos mais adiante com minúcias de detalhes, mas um item importante e que já ressaltei, é o final do último verso – a dita “chave de ouro” – que deve ser observada nos sonetos aqui apresentados, detalhes que os valoriza e enaltece.

Existem trabalhos que, por sua beleza, depois de lidos, nos deixa invejosos – no bom sentido – por não termos tido tal inspiração. Assim é o trabalho de Vasco de Castro Lima, que morreu quase centenário (1905/2002?), referido lá na frente, que trilhou A ESTRADA DO SONHO :

Cada dia em que o sol se abre, risonho,
e desfralda o seu leque de esplendores,
eu saio pela Estrada Azul do Sonho,
pisando espinhos e plantando flores…

E vou contente. Nos meus passos, ponho
a luminosidade dos alvores.
Sigo a Estrada. E é sorrindo que a transponho
eu, o mais sonhador dos sonhadores…

Sim, quero ter, na noite da velhice,
o mesmo coração da meninice –
um ninho de alvoradas luminosas –

para ser, no jardim dos desenganos,
uma alegre roseira de cem anos,
ardendo em sonhos, florescendo em rosas!


Da mesma maneira, outro dos nossos patronos, Décio Duarte Ennes (1926/1982), nos brinda com a beleza de uma CARTA :

Escrevo-te, querida, a última carta,
e nela envio o meu saudoso adeus
com o qual seguirão os dias meus,
que de viver minha alma já esta farta !

Tudo de mim agora já se aparta,
e o próprio Amor – este menino-deus –
já me renega e põe-me entre os ateus,
a mim, cuja existência quis eu dar-ta !

Poucas palavras restam-me, bem poucas,
( talvez, até as julgues tu bem loucas… ) :
Ofereci-te o amor – e o recusaste !

Ofereci-te a vida – e a não quiseste !
Agora eu te devolvo o que me deste :
– Os versos de um poeta que inspiraste !


E Romildes de Meirelles, do Rio de Janeiro – um dos idealizadores da ABRASSO – Academia Brasileira do Soneto, extremamente melancólico, se sentiu SÓ!…

Estou completamente só… O dia
acaba, a tarde morre docemente
e eu estou só em meio a tanta gente,
nesta tarde chuvosa, cinza e fria…

A solidão da tarde me angustia,
deixa-me imerso em um torpor dolente
e eu vejo o tempo ir-se lentamente
de gota em gota, em triste nostalgia.

A chuva aumenta a minha ansiedade,
enchendo-me de mística saudade,
numa tristeza atroz que o olhar me embaça.

E vejo tudo qual se fosse um sonho,
onde o tempo se escoa tão tristonho
na cadência da chuva na vidraça.
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continua...
 
Fonte:
Texto de José Roberto Gullino disponível na Casa Raul de Leoni, http://rauldeleoni.com.br/soneto/

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