terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Roberto Rodrigues de Menezes (Mitologia em Poema) 1 - A Criação do Mundo Helênico


"As religiões da Grécia e Roma antigas desapareceram. As chamadas divindades do Olimpo não têm mais um homem que as cultue. Já não pertencem à Teologia, mas à Literatura e ao bom gosto."
Thomas Bulfinch
(Literato norte-americano, graduado na Universidade de Harvard, autor de “O Livro de Ouro da Mitologia”, que embasa estes poemas)


No início o Caos comandava o passado.
O tudo era nada; ausência e solidão.
Um ignoto deus, da Natureza aliado,
resolve ordenar o universo de então.
Os dois separam a terra, o mar botam de lado,
enquanto o céu subiu para longe da treva.
Um céu de sol e lua, de estrelas pontilhado,
traz crepúsculo e aurora, que todo caos enleva.

Assim os rios e lagos se formaram,
as planícies, os vales, campos, montes.
Os bosques mais espessos se forjaram.
Tal harmonia nunca houvera dantes.

Os peixes se apossaram das espumas,
o mar sereno e belo foi seu chão.
No ar as aves conheceram as brumas
e para si tomaram esta amplidão.

Os outros animais a terra herdaram
felizes, pois ali tudo era belo.
Em meio a flores, pomos saborearam,
no vasto verde, fértil, tão singelo.

Raça gigante o deus operoso
formou para este éden habitar.
Eram os Titãs, enormes, poderosos,
que a terra iriam, fortes, dominar.

Mas os Titãs iam gerando deuses,
que já nascendo os questionariam.
E Zeus comanda insurreição, revezes,
que os gigantes dos céus tirariam.

Os Titãs Prometeu e Epimeteu,
a criar novos seres se dedicam.
Assim os peixes, aves e quadrúpedes,
na terra, mar e céu formados ficam.

A todos estes seres deram argúcia,
para se imporem em qualquer porfia;
beleza, força, vida, muita astúcia,
leveza, agilidade, valentia.

Prometeu toma o barro em sua mão,
mistura n’água, eis que o homem gera
e encarrega o seu gigante irmão
de dar a todos uma nova era.

Mas o Titã distribuía e dava
mil dons, incauto, para os animais.
O homem, massa informe, precisava
ter força, mais coragem e algo mais.

O titã reza a Atena, deusa casta;
ao céu levado é no carro alado,
em busca do deus sol, o medo afasta.
Quer para si o fogo tão sagrado.

De lá desce com o fogo dominado,
e finaliza o homem, dá-lhe dotes,
pra que domine, se veja louvado,
de todos seja o rei e o mais forte.

Um detalhe, porém: falta a beldade,
a mulher tão querida, desejada,
que foi feita no céu por divindades.
por isso musa linda e cobiçada.

Afrodite a este ser dá a beleza;
persuasão um outro a ela entrega.
Apolo dá na música a leveza,
e se chamou Pandora, esta Eva grega,

É dada a Epimeteu, que grato aceita,
apesar dos assédios do deus Zeus.
A caixa de mistérios não rejeita,
que dores e desgraças traz dos céus.

O Titã pede à amada, doce e absorta,
não abra a caixa com males despertos.
Mas Pandora, curiosa, a chave solta
e todo mal do mundo vê liberto.

Desejo de saber o que é vedado
fez abrir, infeliz, do mal a porta.
Doenças, ódio, morte, infausto fardo,
povoam o mundo sem razão, sem volta.

Porém, mercê dos deuses, a esperança,
quedou-se na tal caixa da desgraça
e trouxe ao mundo a força da bonança,
amenizando o dano, que ora passa.

Vieram, então, Idades luminosas,
de Cobre, Prata, Ouro, sem quimera.
As estações se firmam olorosas,
pois antes só havia primavera.

Chegaram à terra o frio, calor, o vento,
as tempestades e pecados mil.
Do Ferro vêm a idade e o tormento,
tornando o mundo um lugar hostil.

O homem à terra tira as riquezas;
e divide entre si, fere o destino.
As famílias não são mais benfazejas
em seu seio floresce o desatino.

O grande Zeus os deuses vai chamar,
e vêm da Via Láctea, branca estrada,
para ao homem furioso um basta dar,
tecer a morte em sua caminhada.

O deus pensa no raio, tudo ou nada;
mas seus iguais as águas querem, duros.
A geração será exterminada.
Depois se pensará n’outro futuro.

E Posseidon os mares lança à terra,
perecendo em horror a raça humana.
As águas em revolta descem as serras,
arrasando os confins, na fúria insana.

Mas do Parnaso a montanha agreste,
as águas não lograram inundar.
Um casal lá subira e agradece,
Pois novamente a terra irá povoar.

Deucalião, filho de Prometeu,
e a bela Pirra, filha de Pandora,
não são tragados e aos deuses rendem
preito e louvor de quem previu a hora.

Terão os dois uma missão divina,
repovoar o mundo devastado.
E nessa faina ingente, peregrina,
recolhem seixos no chão, lado a lado.

E para trás de si os seixos jogam,
que se transformam no povo escolhido.
Os deuses sobem ao céu, logo se acalmam,
e o mundo grego se vê revivido.

Vencedor da porfia, deus eterno,
aos pares Zeus revela ser maior.
Aprisiona o pai Cronos no inferno,
e os titãs decaem em meio à dor.

Cronos, o pai, os filhos devorava,
a temer tenebrosa maldição,
que um filho, um dia, ao pai destronaria,
e nova ordem se teria então.

Mas a mãe Reia o pequeno guarda
e o afasta de Cronos terrível.
O sortilégio vem forte, não tarda.
Um novo deus se torna imperecível.

Zeus é criado na ilha de Creta,
pela cabra Almateia alimentado,
com leite forte cumpre ousada meta,
de crescer e assumir o seu reinado.

Criança ainda Zeus um chifre arranca,
da fiel cabra, a besta encantada.
Com seu poder o sangue dela estanca
e a cornucópia mítica é gerada.

Filhos da Terra e do Céu vencidos,
perdem sem volta da fortuna a sorte.
São castigados, Titãs desvalidos,
e Zeus se firma, do universo o norte.

O poderoso Atlas condenado,
nos ombros toda terra aguentará.
Prometeu, na montanha acorrentado,
terá um abutre a entranha a lhe bicar.

No monte Cáucaso geme o gigante
a uma pedra, inerme e aprisionado.
Outros titãs, sorte dilacerante,
no mundo dos infernos são lançados.

No Tártaro jogados, recebidos,
pelo implacável deus, grande Plutão.
Nas profundezas ficam os vencidos
e aos deuses cabe a glória que terão.

Do céu Zeus se apodera e o irmão
Posseidon sobre os mares reinará.
Plutão reina na eterna escuridão
e a Terra dos olímpicos será.

No monte Olimpo, divinas moradas
dos deuses gregos logo são erguidas
A terra tem no homem a estirpe honrada,
Reinos fundados, praças construídas.

A esposa Hera, rainha severa,
tem seu assento junto ao deus divino.
Zeus, infiel, a ela desespera,
filhos gerando no seu desatino.

A bela Íris, dama da virtude,
da casta Hera vem ser preferida.
A deusa Hebe, tem a juventude.
Seu alimento faz perene a vida.

O divino alimento é a ambrosia
e a bebida o néctar sagrado.
Atena e as Graças tecem alegorias,
de cores brancas, longas, encantadas.

O deus Vulcano, artista prendado
dos céus, nascera sem a formosura.
Filho de Zeus e Hera foi jogado
na terra agreste por sua feiúra.

Mas, imortal e coxo, ganha espaço
no mar Egeu, em lugar escondido.
Zeus o protege, acompanha o passo,
e o raio ganha do filho perdido.

Zeus Afrodite dá pra seu prazer.
Ela não quer, mas se conforma à sorte.
Do mar surgida, deve obedecer,
embora pense ser melhor a morte.

Trai o marido com deuses e homens.
Eros e sátiros ao seu lado estão.
Gracioso deus possui pequenas flechas,
que, desferidas, trazem amor, paixão.

Palas Atena traz aljava e seta.
Da cabeça de Zeus nasceu armada
Tem na coruja ave predileta
e a oliveira sua palma ousada;

Hermes, de Zeus e Maia filho amado,
deus do comércio, inventor da lira,
asas carrega no chapéu dourado
e nas sandálias pelo mundo gira.

Ceres, de Zeus irmã, tem filha deusa,
doce Perséfone, esposa de Plutão,
que se tornou dos infernos princesa,
dona dos mortos e da solidão.

O louro Baco era o deus do vinho,
que estimulou a civilização.
A paz buscou, teve no amor o ninho
e às bacantes deu fogo e paixão.

Nascem de Zeus e da Memória as musas.
Detêm a graça, a dança e mais o canto.
A douta Clio o fio da História usa
e Tália bela é da Comédia o encanto.

Calíope protegia o verso épico,
a doce Euterpe a lírica jornada.
Erato defendia o verso erótico;
Polínia a poesia consagrada.

As Graças eram três e se incumbiam
das artes, dos banquetes e das danças.
As Parcas, também três, futuro viam;
nele influíam, tirando a esperança.

As Fúrias, sempre três, mortais puniam,
que da justiça e da lei fugissem.
Quase serpentes, toscas, se escondiam,
dando tormentos àqueles que as vissem.

A deusa da discórdia, a bela Nêmesis,
matou Narciso e a ninfa vingou;
embora Eco também fenecesse,
na flor do rio o jovem transformou.

Pã protegia os rudes pastores
e seus rebanhos nos campos relvados.
Pequenos sátiros, seu séquito em cores,
homens de chifres, pés de cabra, ousados.

Velozes eram os fortes centauros,
tinham no homem e no cavalo a fonte.
Quirão, um deles, foi mestre de Hércules,
lugar tomou de Prometeu no monte.

A alegria com o deus Momo andava.
Pluto regia a dourada riqueza.
Pomona, a ninfa, o pomar amava,
míticos pomos da grande realeza.

Jano Bifronte, dos céus o porteiro,
dois rostos tinha para olhar a terra.
É de seu nome o mês de janeiro.
Vela o presente e o porvir encerra.

A proteção para manter reinados
os deuses Lares viam na família.
Orando às almas dos antepassados,
crentes, devotos, em doce vigília.

Seis virgens eram as vestais do templo,
que à deusa Vesta rendiam louvores.
No fogo das lareiras viam o tempo
e proteção do mundo em seus ardores.

E assim foi que os gregos conhecidos,
na bela Hélade, envolta em magia,
legaram aos homens mitos revividos
com a doce lira da Mitologia.
__________________
continua…

Fonte:
Fénix (Carmo Vasconcelos)

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