quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Edy Soares (Cristais Poéticos) VI

CAMALEÃO


E lá vou eu,
Na carona da vela;
Na garupa da sela
Ou no barco à deriva;

Na rajada de vento;
No mar em tormento
Ou na calma da brisa;

No galope do bicho;
Na sacola do lixo
Ou na mesa da sala;

No dinheiro do rico
Ou dormindo em cortiço
Com povo que cala.

Adapto-me ao meio;
No palácio do rei
Ou entre povo sem fala.

Estou atrás do escudo
Ou no meio de tudo;
Na direção da bala.
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ESPERANÇA

Sem a presença tua,
Hoje, nem a companheira lua,
Que sempre ilumina a rua,
Quis me ouvir.

Simplesmente se escondeu
Atrás da nuvem escura,
Pra não dividir, comigo,
A tristeza que não dissipa.

Egoísta lua, que nos via,
E eu com ela te dividia,
Agora me deixa só.

Até a brisa, que chega,
Tem por companheira a chuva fina.

Choro eu
Na noite de breu.
Não deixo que caia,
E recolho cada lágrima,
Pois cada uma te pertence
E tem tua essência,

Guardo-as para ser o perfume
Que me embriagará,

Com elas ungirei meu corpo,
Para que na tua ausência,
Tragam a mim tua presença,
Nem que seja na ilusão
De eternamente te esperar.
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ETERNO AMOR II

Diante dos olhos teus,
meu corpo tremula e sua,
se olhas dentro dos meus,
minh'alma se sente nua.

Meu coração se perdeu
de amor por ti, bela musa,
se teu amor percebeu,
toma- me, usa e abusa.

Toma minh'alma acanhada,
dá-me tua boca molhada,
molha meus lábios nos teus,

Encosta-te sem pudor,
toma de mim esse amor
que a ti sempre pertenceu.
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MINHA FLOR

Quisera eu
Conservar-te latente,
Preciosa semente
Que gerou linda flor.

Quisera eu
Dormir ao teu lado,
Acordar embriagado
No teu primeiro amor.

Quisera eu
molhar-te amiúde,
Regar-te com perfume
E assistir-te crescer,

E no desabrochar
Dessa flor mais bela,
Ser o teu sentinela,
Só pra te proteger.

Seria eu
O primeiro a colher-te
E grudada em meu corpo,
Levar-te onde eu for.

Seria eu
Colibri sorridente,
Saciado e contente
Com o doce néctar da flor.

Mas mesmo sabendo
Não ser eu o primeiro,
Não serei derradeiro
E nem perdedor.

Pois tu, assim tão linda,
Que sejas bem vinda!
Já és rosa feita.
Serei o teu servo,
sempre a teu dispor.
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O BEM E O MAL

Quando o bom se corrompe,
o mau se justifica;
quando o bem enfraquece,
o mal se multiplica.

O bem é maior e forte;
o mal é menor em seu porte,
mas na ausência de um,
predomina o que fica.

Quando o maior foge à luta,
o menor toma a batuta
e coordena, e orquestra.

Quando a maioria se cala,
a minoria domina a fala
e prolifera o que não presta.
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PEDINTE CRIANÇA

O olhar tristonho, criança,
Na dança de carros no farol,
Sem temer a resposta se lança
Por um trocado, em busca do pão.

Pedinte, sem sorte, mulamba,
É samba ao olhar de quem passa,
Quem nega, o faz por desculpa
De que doar incentiva a desgraça.

Filhos da pátria que esbanja,
Se arranja com o pouco que sobra,
Ninguém quer saber onde dorme,
Também pouco importa, se acorda.

Salve! Salve! Pequenas crianças,
Esperança do futuro do mundo,
Sobra ouro nos cofres do rei,
Mas pra vocês, falta amor falta tudo.

Fonte:
Edy Soares. Flores no deserto. Vila Velha/ES: Ed. do Autor, 2015.
Livro enviado pelo poeta.

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