quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Carolina Ramos (Pai Noel Americano)


A partir de 1975, aquele Papai Noel nascido nos States e embarcado como clandestino na bagagem turística, passara a fazer parte da família. Era um apertão na barriga rotunda e o seu Ho... ho... ho! aconchegante trazia o Espírito do Natal para mais perto, ao som do tradicional Jingle Bell, repicado a sinos.

Papai Noel não envelhece, mas, aquele envelheceu. É o que podia ser constatado, a cada ano, mal iniciados os preparativos da decoração natalina. De tanto apertão no umbigo, o casaco de lã vermelha já não fechava mais. A barriga era a mesma, porém, as pressões repetidas a cada dezembro, acabaram por favorecer a ruptura do casaco vermelho deixando a descoberto as entranhas de palha do Bom Velhinho, mesmo antes que as pilhas gastas inviabilizassem o festivo Ho... ho... ho!. .

Barba encardida, mudo, rasgado, aquele Bom Velhinho não era mais figura atrativa, apesar da tradição que carregava nos ombros. Naquele ano, a pá de cal: luva perdida e braço de arame ultrapassando a manga, o velho Pai Noel, que agora se assemelhava ao malvado Capitão Gancho das histórias de Peter Pan, selavam, em definitivo, o seu destino — a lata do lixo! Final triste e inglório, para quem proporcionara tantas alegrias!

Por sua vez, um menino (sem sapatos, sem lareiras, janelas, ou fogão, porque nem casa tinha) remexia os latões, à cata de papelão e de plásticos, ainda com restos capazes de lhe proporcionar o arremedo de refeição, que o estômago reclamava.

Nas latas de lixo remexidas, e, por sinal, bastante enriquecidas pelos restos das ceias das famílias algo abastadas daquele bairro, era possível encontrar tudo o que possível imaginar! E foi lá que o guri, de cara suja e pernas finas, achou o Papai Noel preterido. O vermelho das vestes, chamativo, atraiu o garoto que o salvou dos detritos, lambuzado e malcheiroso.

Amor à primeira vista! Para quem não acredita que isto possa acontecer, a prova ali estava. O garoto esqueceu a cata aos papelões e plásticos. Espremeu o boneco natalino contra o peito, esquecido até dos reclamos do estômago vazio.

E, ainda agarrado ao velho Noel, estremeceu, quando despertado pelo agente social que recolhia crianças, cujo lar era a rua e o teto, as estrelas.

Não resistiu! Em troca da submissão, ofereciam-lhe banho, comida e uma cama — o que ele mais queria! Esqueceu o saco da coleta. Esqueceu tudo... menos o Pai Noel, estreitado nos braços, com ternura até então desconhecida.

Ao entrar no carro que o aguardava, o menino apertou com mais força o boneco de barbas brancas. Foi então que, sem explicações, como que desperto de um longo e silencioso sono, o Bom Velhinho riu gostosamente Ho!... Ho!... Ho!... e os sininhos do Natal, calados, há tanto tempo, despertaram, também, modulando, com a mais sonora alegria: — Jingle Bell... Jingle Bell!...

Fonte:
Carolina Ramos. Feliz Natal: contos natalinos. São Paulo/SP: EditorAção, 2015.
Livro enviado pela autora.

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