sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

A. A. de Assis (Seu Manoel Poeta)


Era como a ele se referiam alguns dos seus conviventes na fazenda do Mato Grosso do Sul, onde foi morante quase que pela vida toda, até quando se despediu em 2014 para ir brincar de anjo lá no em cima do azul.

Manoel de Barros, um senhor poeta. Seu Manoel Poeta. Ele e Quintana, para o meu gosto, os dois máximos do Brasil. Que pena terem tido de ir embora. Gente assim não deveria ir nunca. Faz falta aqui. Falta demais.

Peço licença hoje para sentir saudade de Seu Manoel. Não vou falar da biografia dele; disso já muito se falou. Vou recurtir a poesia dele. E se você tiver aí um tempinho, venha junto. Aqui na minha frente tenho um dos seus livros – “Meu quintal é maior do que o mundo”. O livro todo é uma festa de amor à natureza, à simplicidade, à alegria da vida. Vou recortar e enfileirar abaixo uns pedacinhos das coisas gostosas que ele escreveu.

“No começo enxada teve seu lugar. Prestava para o peão encostar-se nela a fim de prover seu cigarrinho de palha. Depois, com o desaparecimento do cigarro de palha, constatou-se a inutilidade das enxadas. O homem tinha mais o que não fazer”.

“Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado, como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve para poesia. Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita, pisa e mija em cima, serve para poesia”.

“Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina”. “Ao poeta faz bem desexplicar – tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes”. “Passei anos procurando por lugares nenhuns. Até que não me achei – e fui salvo”.

“São Francisco monumentou as aves. Vieira, os peixes. Shakespeare, o amor. Charles Chaplin monumentou os vagabundos”.

”As palavras eram livres de gramáticas, por forma que o menino podia inaugurar. Podia dar às pedras costumes de flor”. ”Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas – é de poesia que estão falando”.

“Pertenço de andar atoamente Fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo”.

“A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos. Com o tempo o menino descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira”.

“Se eu quisesse caber em uma abelha, era só abrir a palavra abelha e entrar dentro dela, como se fosse a infância da língua”. “Quando eu crescer eu vou ficar criança”.

“Tentei descobrir alguma coisa mais profunda do que não saber nada sobre as coisas profundas. Consegui não descobrir. A poesia está guardada nas palavras – é tudo que eu sei”.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 26 -11-2020)

Fonte:
texto enviado pelo autor.

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