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Considero a feitura de um poema como a escultura da prosa e da palavra. Como um arquiteto que projeta sua planta com detalhes de beleza, elegância e suavidade – assim é o poeta – um arquiteto do verbo que precisa transformar a prosa em poesia, combinando e esquematizando o ritmo, harmoniosamente, em cada palavra e detalhe, para maior valorizar seu trabalho, com temas sempre elevados e impactantes. Não sei se consigo atingir tais objetivos em meus trabalhos, mas são dois pontos distintos: a maneira de ver e apreciar o belo pode, muito bem, não se coadunar com a habilidade de transmiti-lo e de executá-lo, já que, para se admirar um bonito quadro, não há necessidade de, obrigatoriamente, saber-se pintar.
Cada um tem o direito de possuir seu estilo – tanto o pintor, como o compositor ou o escultor, tem cada um o seu traço próprio – e por que o poeta não poderá ter o seu também? E é como disse o escritor contemporâneo Fernando Jorge: “Poesia é acústica, ressonância de nossas emoções”. Mas a realidade é que, mesmo aqueles que repudiam o soneto, disfarçadamente, caem em tentação e se entregam nos braços do soneto e no afago da metrificação, mas somente na intimidade das alcovas, sem alarde, silenciosamente, escondidos de seus colegas para não demonstrar uma fraqueza “pecaminosa” e não macular a bandeira desfraldada. Como cita Vasco de Castro Lima, muitos dos grandes adeptos da semana de ´22, capitularam, submergindo às tentações do soneto: Menoti Del Picchia, Guilherme de Almeida, Jorge de Lima e tantos outros, inclusive Drummond, também pecou, ao tentar reatar seu namoro com o soneto, após a Semana de Arte Moderna – mas pelo que tudo indica, não se entenderam muito bem.
Assim, não consigo alcançar a intenção de alguns poetas por quererem modernizá-lo. Se a poesia livre é, realmente, livre, por que imprensá-la em dois quartetos e dois tercetos, submetendo-a a tal regra e sacrifício, somente para defini-la como soneto? Para mim é incoerência.
A rigor, todo sonetista sente-se agredido com as críticas infundadas e o rancor pela metrificação, o que não fica restrito aos comentários de certos poetas ou o descaso da mídia, detalhes de somenos importância. O grave mesmo, é a opinião externada por alguém como Antonio Houaiss e Luis Carlos Lima, que lhe concedem uma profunda conotação pejorativa, com um radicalismo exacerbado, como foi mostrado por Houaiss no prefácio do livro “Reunião”, de ´68, de Drummond, quando ocupa 25 páginas para provar – se repetindo sempre – o valor do poeta, numa autêntica tautologia emocional. E entre tantos “conceitos” firmados por Houaiss, o texto classifica como “cegos” os que não apreciem a poesia de Drummond e a certa altura transcreve (apoiando) a visão de Luis Costa Lima que, por sua vez, faz eco a Otto Maria Carpeaux :
“E Drummond é o maior e último poeta modernista. Quem ainda considera a poesia como enfeite decorativo, não pode compreender o poeta cuja matéria é a vida presente. Quem aprecia nos versos a harmonia artificial dos ritmos e das rimas, não admitirá que na vida a dissonância é, conforme Nietzsche, a regra e o acorde a exceção; e que o poeta pode ter todos os privilégios menos o de mentir.”
Bem, não vai aqui qualquer crítica a Drummond, mas vai sim, sobre a observação impertinente do comentário. Mesmo vindo de pessoas respeitadas como Houaiss ou Luis Costa Lima, poema metrificado não é “enfeite decorativo” nem possui “harmonia artificial” como querem demonstrar na nota, nem são “cegos” seus admiradores – o que prova o totalitarismo de opinião, desqualificando-os para tal análise e julgamento. O valor de um poema – como de qualquer prosa – depende do tema abordado, da maneira e do desenvolvimento de seu texto, independente do estilo – isto, obviamente, para simples mortais como nós, não para eles. Assim, o preconceito é evidente, pois não se conformam que ainda haja um segmento tradicional para perturbar a caminhada dos egocêntricos e que provoca um pavor traumático quando, na verdade, para quem se habitua a utilizar a metrificação, o faz com total comodidade, fluidez, facilidade e naturalidade. É somente uma questão de hábito, mas parece que o soneto vem a ser o lobo mau da poesia – provoca um certo pavor a quem dele se aproxime. E Houaiss, criticando a metrificação, está, diretamente, se opondo ao soneto que, sem a métrica, deixa de sê-lo.
Mas o soneto é imorredouro também na visão de Vasco de Castro Lima, autor do livro “O mundo maravilhoso do soneto”, que disse: “O soneto não tem idade! Os sete séculos que conta de existência, não pesam sobre sua vida maravilhosa. Parece que é mesmo definitivo. O mínimo que se pode dizer, é que se trata de um velho-moço de saúde invejável!"
Para mim, poema que agrada é aquele que marca sua passagem por nossa leitura, que grava-se na memória e que, volta e meia, é referência para nossas lembranças, como o trabalho do acadêmico Farid Felix, que não tive a ventura de conhecer, falecido em 2004 em Petrópolis –
Considero a feitura de um poema como a escultura da prosa e da palavra. Como um arquiteto que projeta sua planta com detalhes de beleza, elegância e suavidade – assim é o poeta – um arquiteto do verbo que precisa transformar a prosa em poesia, combinando e esquematizando o ritmo, harmoniosamente, em cada palavra e detalhe, para maior valorizar seu trabalho, com temas sempre elevados e impactantes. Não sei se consigo atingir tais objetivos em meus trabalhos, mas são dois pontos distintos: a maneira de ver e apreciar o belo pode, muito bem, não se coadunar com a habilidade de transmiti-lo e de executá-lo, já que, para se admirar um bonito quadro, não há necessidade de, obrigatoriamente, saber-se pintar.
Cada um tem o direito de possuir seu estilo – tanto o pintor, como o compositor ou o escultor, tem cada um o seu traço próprio – e por que o poeta não poderá ter o seu também? E é como disse o escritor contemporâneo Fernando Jorge: “Poesia é acústica, ressonância de nossas emoções”. Mas a realidade é que, mesmo aqueles que repudiam o soneto, disfarçadamente, caem em tentação e se entregam nos braços do soneto e no afago da metrificação, mas somente na intimidade das alcovas, sem alarde, silenciosamente, escondidos de seus colegas para não demonstrar uma fraqueza “pecaminosa” e não macular a bandeira desfraldada. Como cita Vasco de Castro Lima, muitos dos grandes adeptos da semana de ´22, capitularam, submergindo às tentações do soneto: Menoti Del Picchia, Guilherme de Almeida, Jorge de Lima e tantos outros, inclusive Drummond, também pecou, ao tentar reatar seu namoro com o soneto, após a Semana de Arte Moderna – mas pelo que tudo indica, não se entenderam muito bem.
Assim, não consigo alcançar a intenção de alguns poetas por quererem modernizá-lo. Se a poesia livre é, realmente, livre, por que imprensá-la em dois quartetos e dois tercetos, submetendo-a a tal regra e sacrifício, somente para defini-la como soneto? Para mim é incoerência.
A rigor, todo sonetista sente-se agredido com as críticas infundadas e o rancor pela metrificação, o que não fica restrito aos comentários de certos poetas ou o descaso da mídia, detalhes de somenos importância. O grave mesmo, é a opinião externada por alguém como Antonio Houaiss e Luis Carlos Lima, que lhe concedem uma profunda conotação pejorativa, com um radicalismo exacerbado, como foi mostrado por Houaiss no prefácio do livro “Reunião”, de ´68, de Drummond, quando ocupa 25 páginas para provar – se repetindo sempre – o valor do poeta, numa autêntica tautologia emocional. E entre tantos “conceitos” firmados por Houaiss, o texto classifica como “cegos” os que não apreciem a poesia de Drummond e a certa altura transcreve (apoiando) a visão de Luis Costa Lima que, por sua vez, faz eco a Otto Maria Carpeaux :
“E Drummond é o maior e último poeta modernista. Quem ainda considera a poesia como enfeite decorativo, não pode compreender o poeta cuja matéria é a vida presente. Quem aprecia nos versos a harmonia artificial dos ritmos e das rimas, não admitirá que na vida a dissonância é, conforme Nietzsche, a regra e o acorde a exceção; e que o poeta pode ter todos os privilégios menos o de mentir.”
Bem, não vai aqui qualquer crítica a Drummond, mas vai sim, sobre a observação impertinente do comentário. Mesmo vindo de pessoas respeitadas como Houaiss ou Luis Costa Lima, poema metrificado não é “enfeite decorativo” nem possui “harmonia artificial” como querem demonstrar na nota, nem são “cegos” seus admiradores – o que prova o totalitarismo de opinião, desqualificando-os para tal análise e julgamento. O valor de um poema – como de qualquer prosa – depende do tema abordado, da maneira e do desenvolvimento de seu texto, independente do estilo – isto, obviamente, para simples mortais como nós, não para eles. Assim, o preconceito é evidente, pois não se conformam que ainda haja um segmento tradicional para perturbar a caminhada dos egocêntricos e que provoca um pavor traumático quando, na verdade, para quem se habitua a utilizar a metrificação, o faz com total comodidade, fluidez, facilidade e naturalidade. É somente uma questão de hábito, mas parece que o soneto vem a ser o lobo mau da poesia – provoca um certo pavor a quem dele se aproxime. E Houaiss, criticando a metrificação, está, diretamente, se opondo ao soneto que, sem a métrica, deixa de sê-lo.
Mas o soneto é imorredouro também na visão de Vasco de Castro Lima, autor do livro “O mundo maravilhoso do soneto”, que disse: “O soneto não tem idade! Os sete séculos que conta de existência, não pesam sobre sua vida maravilhosa. Parece que é mesmo definitivo. O mínimo que se pode dizer, é que se trata de um velho-moço de saúde invejável!"
Para mim, poema que agrada é aquele que marca sua passagem por nossa leitura, que grava-se na memória e que, volta e meia, é referência para nossas lembranças, como o trabalho do acadêmico Farid Felix, que não tive a ventura de conhecer, falecido em 2004 em Petrópolis –
… E DEUS DISSE AO POETA
Ao poeta disse Deus: “Vai, peregrino,
e cumpre as tuas árduas caminhadas,
e canta e que teu canto seja um hino,
mas de esperança às almas desoladas.
Vai e canta com teu verbo cristalino,
sejam dias de sol, ou de nevadas,
que este é, na vida amarga, o teu destino:
florir de sonho todas as estradas”.
Apóstolo do sonho e da esperança,
o poeta partiu, em doce calma,
à mercê de borrascas e bonança.
E cantou, e ainda canta aos sóis dispersos,
toda a beleza que lhe brota n’ alma,
e jorra em cataratas dos seus versos.
Ao poeta disse Deus: “Vai, peregrino,
e cumpre as tuas árduas caminhadas,
e canta e que teu canto seja um hino,
mas de esperança às almas desoladas.
Vai e canta com teu verbo cristalino,
sejam dias de sol, ou de nevadas,
que este é, na vida amarga, o teu destino:
florir de sonho todas as estradas”.
Apóstolo do sonho e da esperança,
o poeta partiu, em doce calma,
à mercê de borrascas e bonança.
E cantou, e ainda canta aos sóis dispersos,
toda a beleza que lhe brota n’ alma,
e jorra em cataratas dos seus versos.
E para mostrar, mais uma vez, a força e a beleza que o soneto irradia, ainda nos dias de hoje, apesar do desprezo que muitos lhe dão, transcrevo, de outra saudosa acadêmica – Aládia Pereira de Almeida – falecida em 2003 –
SABOR DE VIDA
Eu amo a vida pelo que é a vida,
pela razão mais simples de viver,
sem me importar se árida é a lida,
se há mais dias de dor que de prazer.
Eu amo a vida mesmo na incerteza
do dia em que ela me abandonará;
sem pesar de deixar tanta beleza,
sem pensar, lá no Além, como será.
A vida é boa, é só saber vivê-la,
não desejar brilhar qual uma estrela,
nem também, como um verme se arrastar.
Saber chorar, se a dor nos atormenta,
sorrir, quando a alegria se apresenta,
compreender, esquecer e perdoar.
Eu amo a vida pelo que é a vida,
pela razão mais simples de viver,
sem me importar se árida é a lida,
se há mais dias de dor que de prazer.
Eu amo a vida mesmo na incerteza
do dia em que ela me abandonará;
sem pesar de deixar tanta beleza,
sem pensar, lá no Além, como será.
A vida é boa, é só saber vivê-la,
não desejar brilhar qual uma estrela,
nem também, como um verme se arrastar.
Saber chorar, se a dor nos atormenta,
sorrir, quando a alegria se apresenta,
compreender, esquecer e perdoar.
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continua…
Fonte:
Texto de José Roberto Gullino disponível na Casa Raul de Leoni http://rauldeleoni.com.br/soneto/
continua…
Fonte:
Texto de José Roberto Gullino disponível na Casa Raul de Leoni http://rauldeleoni.com.br/soneto/
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