Anos atrás andei com a mania de estudar o fenômeno da coincidência. O Carlos Lacerda também. Tanto que até traduziu, com Maria Thereza Correia de Mello, “As razões da coincidência”, de Arthur Koestler (desculpem, mas sou obrigado a abrir este parêntese. No momento em que escrevi estas primeiras linhas, desabou da minha estante um quadro e na queda arrastou o quê? O livro do Koestler). Ninguém é, porém, mais obcecado com o tema do que o Luís Edgar de Andrade.
Obcecado e entendido. A partir daí, as coincidências com ele se sucedem. Ele documenta e põe tudo no computador. Outro dia, estava lendo a história de um trem que caiu na baía de Newark e, no dia seguinte, deu na loteria de Nova York o número do último vagão. Neste exato instante, o Luís Edgar viu na televisão uma locomotiva que bateu num ônibus, no Rio. Anotou o número da locomotiva, que no dia seguinte saiu na foto do acidente. E bem visível: 3384.
Vejam a centena que deu na loteria federal: 384. O Luís Edgar não jogou no bicho, porque não sabe. Nem parece brasileiro. À tarde, na extração da Paratodos, deu o milhar 3384. Qual a relação entre desastre ferroviário e sorteio de loteria? A pergunta do Luís Edgar antigamente me tiraria o sono. O Jung estudou o mistério da coincidência a partir da sincronicidade. Matemáticos mergulham na análise combinatória e na serialidade. Filósofos especulam. A literatura é farta. O Luís Edgar está agora lendo os alemães.
Como muita gente, posso contar coincidências que aconteceram comigo. Andei com essa ideia fixa e passei à parapsicologia. Quase fui parar numa clínica de repouso. Nada como um eufemismo. Até que um dia, aliás uma noite, descobri tudo. Parti da própria palavra coincidência, que quer dizer encontro de duas ou mais incidências. Incidere no latim é cair em ou sobre, acontecer, sobrevir.
Eis a chave do enigma: tudo é coincidência, desde a criação do mundo, qualquer que seja a sua teoria ou crença. A vida é isto: incidências simultâneas que obedecem a uma ordem. Também a morte. Chame essa ordem de primeiro motor, ou providência. Ou Deus. Já não há mistério nem enigma. O Brasil é uma coincidência. Um dia explico. Mas você chegou até aqui por quê? Eu escrevi e você leu ‒ que bruta coincidência!
Fonte:
Folha de São Paulo. 28 julho 1991.
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