quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Aparecido Raimundo de Souza (Coriscando) 7: Mala sem alça


— BOM DIA!

— Bom dia. Em que posso ajudar?

— O senhor ainda compra objetos antigos?

— Sim. Este é o meu ramo.

— Tenho uma mesa com quatro cadeiras.

— Teria como dar uma olhada? Trouxe fotos ou filmou os objetos?

— Não, senhor. Fiz melhor. Trouxe no meu carro. Quer dar uma olhada?

— Só se for agora. Onde está o seu automóvel?

— Aqui ao lado.

O dono do topa-tudo levantou de sua mesa cheia de quinquilharias e acompanhou o futuro cliente. Cresceu, claro, os olhos, quando viu que a mercadoria estava em boas condições:

— Quanto quer?

— Diga o senhor.

— Não posso ‘botar’ preço nas bugigangas que meus clientes aparecem por aqui querendo negociar.

— Pensei em duzentos reais.

— Dou cem reais.

— Não dá para melhorar o preço?

— Amigo! Cento e quarenta e cinco reais e não se fala mais no assunto.

— Nem eu, nem o senhor: Cento e cinquenta reais.

— Fechado.

— É toda sua.

***

— Pois não? Posso ajudar?

— Estou vendendo um rádio de pilha e a bateria.

— Se eu puder ver o aparelho...

O cara colocou uma sacola de supermercado sobre a mesa, a mesma, aliás, a única, repleta de pequenas antiguidades:

— Quanto quer?

— Cinquenta reais.

— Vinte e cinco.

— Fechado. O radinho é seu.

***

Entrou um jovem bem apessoado, de terno e gravata:

— Olá!

— Bom dia. Posso ajudar?

— Acho que sim. Ia passando quando vi no seu anúncio, ali fora, dizendo que o senhor compra qualquer coisa.

— Verdade. O que o amigo tem para negociarmos?

— Um troço bem usado. E bem velho também. Do tempo que nossas avós andavam de patinete de uma roda só.

— Ok. Diga ai o que é.

— Tenho certeza que o senhor não tem aqui. Pelo menos, na rápida olhada que dei...

— Tá bom. Diga o que é. E o preço. Quem sabe não fechamos negócio?

— Caso o senhor não queira comprar, poderá trocar comigo numa televisão, estante ou aquele guarda-roupas ali, ou a geladeira. Enfim... Faço qualquer coisa...

— Tudo bem, meu amigo. Só preciso saber o que é que o senhor tem para barganharmos e o valor pretendido.

— A peça tem mais de noventa anos. Apesar da idade, faz tudo: lava, passa, cozinha, joga conversa fora, late, mia, grita...

— Não estou conseguindo acompanhar o seu raciocínio.

— Acho que fui bem claro...

— Pelo que entendi, o senhor tem um gato ou um cachorro... Já que o prezado deixou claro que mia e late!

— Acertou. É um animal. Eu acrescentaria mais. Um animal peçonhento.

— Meu Deus! Um porco? Um leão? Uma cobra? Um elefante, talvez?

— Quase...

O comerciante coçou a cabeça:

— Apesar desses bichos que mencionei não latirem, nem miarem, agora fiquei encucado. Ele lava, passa e etc... Seja mais claro, por favor... Sou meio lerdo, às vezes, no raciocínio...

— Dá uma olhada, por gentileza.

O sujeito entregou um envelope ao dono do comércio. Ao abrir, se deparou com várias fotos de uma senhora em idade bastante avançada:

— Amigo, isto é algum tipo de brincadeira? Não negocio pessoas. Ficou louco?

— Eu sei que não negocia seres humanos, aliás, isso ai nem pode ser considerado um... Mas se abrisse uma exceção, quanto me daria?

— Prezado, tenho mais o que fazer. Passe bem. Bom dia.

Todavia, a criatura insistiu:

— Quanto?

O lojista achou melhor entrar na piração da criatura e ver até onde o chato de galochas chegaria:

— Sua mãe?

— Não.

— Avó?

— Não.

— Tia, irmã, sobrinha... Algum vizinho criador de caso?

— Minha sogra. Se eu lhe trouxer essa desgraça aqui, fechamos na cama de casal com aqueles dois criados-mudos que estão ali naquele canto?

O mercador se enfureceu. Saiu literalmente do sério. Para não partir para as vias de fato, precisou acionar a polícia. Somente desta forma conseguiu tirar o sujeito cara de pau de dentro de seu estabelecimento.

Fonte:
texto enviado pelo autor.

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