quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Carina Bratt (Duelos Reversos)


As cenas com as quais sempre nos deparamos, eu e Aparecido, são engraçadas, divertidas, gostosas de serem lembradas, ou apreciadas, a ponto de carecermos estancar os passos para presenciarmos e não só presenciarmos, vivermos cada minuto e meditarmos sobre os seus mais intrincados objetivos.

Como as preciosidades que estamos vendo agora. Neste exato momento, as pessoas por todos os cantos do enorme saguão do aeroporto aqui em Vitória, choram, gritam se abraçam e sonham... São angústias que se renovam, promessas que se reiteram, enquanto uma nuvem de tristeza parece cobrir todo o ambiente tornando-o densamente frio e fora do normal, do  normal claro, considerado corriqueiro.

Nada é mais maçante e chato, cansativo e tenso, enojado e austero, que um recinto denso e frio, justamente na hora em que (como agora) estamos nos preparando para embarcar para algum lugar. Não faz diferença o lugar... Qualquer ponto é um lugar. O importante é chegarmos até ele.

O portão que acessa a sala de embarque é um só e já se abriu. A voz padrão da locutora do alto falante acabou de ultimar a galera para se preparar para cruzar o caminho afunilado que passará pelo detector de metais.

No meio dos que vão e vem, uma menina de mais ou menos cinco anos não está nem aí para o reboliço que se desenrola à sua volta. Ou melhor: ela só tem olhos e atenção voltados para a boneca – quase do seu tamanho – presente surpresa da tia Norma.

A tia Norma (fala tão alto que até um surdo conseguiria escutá-la a um quilômetro) veio se despedir da irmã e entregou, questão de minutos atrás, uma caixa enorme embrulhada em papel presente à sobrinha, antes dela desaparecer no corredor ‘ralo’ que desembocará na porta da aeronave estacionada lá fora, no imenso do pátio.

Chove um pouco. Um senhor de boné cinza na cabeça, lê “Anjos à Mesa”, de Debbie Macomber. Uma jovem cheia de piercing no rosto, o cabelo à expressão de alma penada recém chegada do purgatório conversa animadamente ao celular. Ela me faz recordar Amy Winehouse tentando imitar MontSerrat Caballé cantando     ‘How Can I Go On’, sem o Freddie Mercury.

O quadro, que aqui se me apresenta, no contexto geral, não muda. Em todos os lugares onde chegamos para embarcar (o correto seria, ‘para nos avionarmos’ - embarcar é se fôssemos para dentro de um barco), é sempre idêntico. Nada evoluiu. E por que não evoluiu? Porque com ele, os choros, os gritos, os abraços, os sonhos...

E mil outras inquietações e desolações, como promessas se renovando, abalos afetivos se materializando num emaranhado de beijinhos e abraços salpicados com tapinhas efusivos nas costas, fazem parte do que eu rotularia de ramerrão fastidioso e Aparecido de repetição "nhe-nhe-nhem".

Há um grupo enorme perto da lanchonete do café trocando beijos, os lábios se excitando em protestos de feliz regresso e o amor... Ah, o amor - esse sempre deixando no ar as melosas condescendências da mais plena felicidade.

Me vem à memória, por conta não sei de que Beneditos, a figura da Thammy Miranda beijando a sua querida e doce esposa, a Andressa Ferreira depois de ‘Pra quem você tiraria o chapéu no Programa do Raul Gil’.

Todos ao nosso entorno estão presos às etiquetas de estilo. As antecedências de uma viagem servem para muitas coisas, entre elas, reavivar aqueles afagos e mimos inseparáveis, onde as criaturas se confraternizam dizendo coisas importantes, como ‘eu te amo’, ‘volte logo’, ‘vai com Deus’, ‘não se esqueça de mim’, telefona, etc. etc...

Bravo! Que bom seria se todos seguissem às versatilidades da separação à risca, e com elas, colocassem em prática espontânea estes modelos de boas condutas e procedimentos.

Se ao invés de caras feias, rostos fechados e palavras de pronúncias contumazes, os humanos convergissem para um mesmo ponto, qual seja, aquele ‘objetivo atrelado a uma só finalidade', tudo seria um mar de rosas, um paraíso nos moldes de Adão e Eva.

Faço referência aquele jardim aprazível onde todos viveriam plenamente a Ausência de Conflitos e a Imperturbabilidade do Sossego, em toda a sua essência, juntamente com a Melodia do Esplendoroso se tornando a um só tempo o marco primordial para o recomeço de todas as coisas boas e suntuosas.

Quem sabe o mundo, o nosso mundo fosse menos violento e, do fundo mágico de suas entranhas uma série de civilidades tão comuns como as que presenciamos aqui de dentro deste terminal, florescesse (na sua melhor certeza de harmonia) e, de mãos dadas, seguissem grudadas, num amplexo ainda melhor e mais profundo, onde pudéssemos ver, à visão cristalina (ou a olho nu), o verdadeiro sentido da plenitude da PAZ CELESTIAL!

Certamente o nosso planeta (de roldão, os quadrados que habitamos, as nossas ruas, os nossos prédios, os nossos vizinhos, os nossos trabalhos, as moradas outras onde temos os demais membros da família...) e a nossa breve e corrida passagem aqui pela Terra fosse melhor, mais saudável e menos causticante.

Me pergunto e embora olhe e reolhe para todos ao meu redor, continuo me questionando: será que estou sonhando ou voando alto demais nas minhas divagações? Como voando alto demais?! Meu Pai Eterno, como pode ser isto, se ainda nem sequer embarcamos, perdão, avionamos?!

Fonte:
Texto enviado pela autora do aeroporto Eurico Sales, em Vitória, no Espírito Santo, voando logo para São Luiz do Maranhão.

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