Vamos divergir um pouco do soneto tradicional e dar um passeio com humor, pois apesar do rigor na montagem de um soneto, às vezes, tal rigor se abranda quando invade o terreno da sátira e do humor. Aí se perdem um pouco as exigências quanto às rimas, embora nos exemplos a seguir, em alguns casos, elas foram respeitadas. São as licenças poéticas que o sonetista se reserva e aproveita para desenvolver um tema com criatividade e humor.
Pesquei, por exemplo, no site de Paulo Camelo, este seu espirituoso soneto para, graficamente, apresentar as diferenças entre “trás” e “traz” e entre “porque”, porquê”, “por que” e “por quê”. Ei-lo :
Pesquei, por exemplo, no site de Paulo Camelo, este seu espirituoso soneto para, graficamente, apresentar as diferenças entre “trás” e “traz” e entre “porque”, porquê”, “por que” e “por quê”. Ei-lo :
Não sei por que se traz, se vem de trás.
Talvez porque o que se traz por trás
lá não esteja. E por que saber
se é porque assim que tem que ser?
Mas o porquê da dúvida cruel
ainda existe e eu não sei por quê.
Por que razão, não sei. Será porque
é mesmo o som? Por que se clama ao céu
se lá por trás do que o pedido traz
é um não-sei-por-quê que não entendo?
Ora porque… bem… eu não sei por quê.
Por trás do que se traz, se é que se traz,
é mais complexo o mundo, é mais tremendo
e eu não sei por quê. Será porque… ?
Talvez porque o que se traz por trás
lá não esteja. E por que saber
se é porque assim que tem que ser?
Mas o porquê da dúvida cruel
ainda existe e eu não sei por quê.
Por que razão, não sei. Será porque
é mesmo o som? Por que se clama ao céu
se lá por trás do que o pedido traz
é um não-sei-por-quê que não entendo?
Ora porque… bem… eu não sei por quê.
Por trás do que se traz, se é que se traz,
é mais complexo o mundo, é mais tremendo
e eu não sei por quê. Será porque… ?
Já Laurindo Rabelo (1826-1864) recorreu somente a duas rimas em todos os versos para poder fazer uma brincadeira com O TEMPO :
Deus pede estrita conta do meu tempo,
é forçoso do tempo já dar conta;
mas como dar sem tempo tanta conta,
eu que gastei sem conta tanto tempo?
Para ter minha conta feita a tempo,
dado me foi bem tempo e não foi conta.
Não quis sobrando tempo fazer conta,
quero hoje fazer conta e falta tempo.
Oh! vós que tendes tempo sem ter conta,
não gasteis esse tempo em passatempo:
cuidai enquanto é tempo em fazer conta.
Mas, oh! Se os que contam com seu tempo
fizessem desse tempo alguma conta,
não choravam como eu o não ter tempo.
é forçoso do tempo já dar conta;
mas como dar sem tempo tanta conta,
eu que gastei sem conta tanto tempo?
Para ter minha conta feita a tempo,
dado me foi bem tempo e não foi conta.
Não quis sobrando tempo fazer conta,
quero hoje fazer conta e falta tempo.
Oh! vós que tendes tempo sem ter conta,
não gasteis esse tempo em passatempo:
cuidai enquanto é tempo em fazer conta.
Mas, oh! Se os que contam com seu tempo
fizessem desse tempo alguma conta,
não choravam como eu o não ter tempo.
Francisco Jugurtha Rocha (1902/?), falecido há poucos anos, aproveitando a deixa de Laurindo Rabelo, embarcou com muito humor, usando também somente duas rimas para passar seu recado bem ao JEITO DA COISA : .
Quanta gente quer ter a coisa sem ter jeito…
Quantos, jeito querem dar pra ter a coisa !
Certo haverá quem tenha a coisa sem ter jeito
mas, que adianta sem o jeito ter a coisa ?
Nada melhor que ter a coisa e ter o jeito,
sendo tão raro ter-se uma e outra coisa,
conformar-se com uma só coisa é o jeito,
pois, bem pior é não ter jeito nem ter a coisa…
Quantos, não tendo nem a coisa nem o jeito,
dariam tudo para a jeito ter a coisa,
mas sem a coisa se conformam só com o jeito?
Quantos já sem jeito ainda lutam pela coisa?
Quantos, ao sentir que a coisa não tem jeito
vão se agarrando a todo jeito a qualquer coisa ?
Quantos, jeito querem dar pra ter a coisa !
Certo haverá quem tenha a coisa sem ter jeito
mas, que adianta sem o jeito ter a coisa ?
Nada melhor que ter a coisa e ter o jeito,
sendo tão raro ter-se uma e outra coisa,
conformar-se com uma só coisa é o jeito,
pois, bem pior é não ter jeito nem ter a coisa…
Quantos, não tendo nem a coisa nem o jeito,
dariam tudo para a jeito ter a coisa,
mas sem a coisa se conformam só com o jeito?
Quantos já sem jeito ainda lutam pela coisa?
Quantos, ao sentir que a coisa não tem jeito
vão se agarrando a todo jeito a qualquer coisa ?
Arthur Azevedo (1855/1908), de humor refinado como sempre demonstrava nas peças teatrais, registrou sua marca inconfundível no soneto cobrando brios a TERTULIANO :
Tertuliano, frívolo peralta
que foi paspalhão desde fedelho,
tipo incapaz de ouvir um bom conselho,
tipo que morto não faria falta.
Lá num dia deixou de andar à malta
e indo a casa do pai, honrado velho,
à sós, na sala, em frente de um espelho,
a própria imagem disse em voz bem alta :
– Tertuliano, és um rapaz formoso!
És simpático, és rico, és talentoso…
Que mais no mundo se te faz precioso?
Penetrando na sala, o pai sisudo
que por trás da cortina ouvia tudo,
severamente respondeu : – Juízo.
que foi paspalhão desde fedelho,
tipo incapaz de ouvir um bom conselho,
tipo que morto não faria falta.
Lá num dia deixou de andar à malta
e indo a casa do pai, honrado velho,
à sós, na sala, em frente de um espelho,
a própria imagem disse em voz bem alta :
– Tertuliano, és um rapaz formoso!
És simpático, és rico, és talentoso…
Que mais no mundo se te faz precioso?
Penetrando na sala, o pai sisudo
que por trás da cortina ouvia tudo,
severamente respondeu : – Juízo.
E de que outra maneira um de nossos patronos, o saudoso poeta e compositor Mario Rossi (1911/1981), poderia expressar seu humor se não por meio da cadência de um soneto como fez pelo DIVINO ERRO:
Cansado de curtir o dia-a-dia
sem qualquer atração do Paraíso,
o Criador resolveu que era preciso
sair da fossa e da monotonia.
Com a argila celeste, de improviso,
compôs um alto estudo de estesia,
modelando a mulher, que lhe surgia
com a graça e a malícia de um sorriso.
Previu que ali forjava a sua fama
mas, com o molde ainda inacabado,
sentiu-se exausto e se jogou na cama.
Foi seu erro… o sono foi funesto.
Mefisto, apologista do pecado,
aproveitou a chance… e fez o resto.
sem qualquer atração do Paraíso,
o Criador resolveu que era preciso
sair da fossa e da monotonia.
Com a argila celeste, de improviso,
compôs um alto estudo de estesia,
modelando a mulher, que lhe surgia
com a graça e a malícia de um sorriso.
Previu que ali forjava a sua fama
mas, com o molde ainda inacabado,
sentiu-se exausto e se jogou na cama.
Foi seu erro… o sono foi funesto.
Mefisto, apologista do pecado,
aproveitou a chance… e fez o resto.
Fonte:
Texto de José Roberto Gullino disponível na Casa Raul de Leoni http://rauldeleoni.com.br/soneto/
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