sábado, 13 de maio de 2023

A. A. de Assis (Lira dos novent’anos)

Dia desses aconteceu comigo um fato meio impactante: completei noventa anos. Isso mesmo: noventa anos. Na dúvida, fui conferir na certidão de nascimento: noventa sim, irreversivelmente.     

Antigamente eu brincava dizendo que só os velhos chegavam a tão esticada idade. Agora penso diferente: penso que somente quem já fez noventa pode ser chamado de velho. E aí o choque: acabo de ser promovido a velho. Preciso então me encaixar nesse novo status.

Dá certa angústia imaginar alguém se referindo a mim como ancião, vetusto, antigo, provecto, longevo, gasto, anacrônico, obsoleto, arcaico, usado. Também me encabula um pouco ser carimbado como idoso. Mas me chamarem de velho não me incomoda não. De velhinho, melhor ainda: acho simpático – uma forma de carinho. Logo acabarei me enquadrando: vista cansada, ouvido preguiçoso, dorzinha aqui, dorzinha ali, bengala na mão, essas coisas típicas. 

Manuel Bandeira, quando completou meio século, fez um livro de poemas chamado “Lira dos cinquent’anos”. Como não tenho mais fôlego para fazer um novo livro, faço esta croniquinha chamada “Lira dos novent’anos”. Só pra registrar o evento. 

Afinal, noventar é hoje algo bastante comum. Está acontecendo com muita gente da minha geração. Gente que conheci de calças curtas. Gente que foi da minha turma no Grupo Escolar Barão de Macaúbas, no Ginásio Fidelense, no Liceu de Campos, no curso de Letras da UEM. Gente das primeiras safras de pioneiros e pioneiras de Maringá. 

Há vantagens em já ter feito noventa voltas em torno do Sol. A primeira é ter bisnetos; a segunda é ter muita história pra contar a eles e a quem mais eventualmente se interessar.       

Posso dizer, por exemplo, que viajei de carro de boi, de trem maria-fumaça, de Ford 29 (pé-de-bode), de avião teco-teco e DC-3; falei por telefone de manivela; ouvi gramofone e vitrola; rezei em latim nas missas; me emocionei ouvindo Francisco Alves, Sílvio Caldas, Carlos Galhardo,  Nélson Gonçalves, Linda Batista, Dalva de Oliveira, Ângela Maria; vi filmes do Carlitos e do Gordo e o Magro em preto e branco; vi na TV o primeiro pouso do homem na Lua; tive constipado, coqueluche, catapora; tomei biotônico Fontoura, emulsão de Scott, guaraína... 

Acompanhei pelo rádio as notícias da Segunda Guerra Mundial; chorei quando o Brasil perdeu para o Uruguai a Copa de 1950; conheci Getúlio Vargas, Gaspar Dutra, Juscelino, Jânio Quadros; conheci também o primeiro prefeito de Maringá, Inocente Villava Júnior; entrevistei Dom Jaime uma semana após sua chegada à nossa diocese; dancei bolero no Aero Clube e no Grêmio dos Comerciários; tomei sorvete na Oriental e bebi cuba-libre no Bar Colúmbia do prefeito Américo; assisti à posse do primeiro reitor da UEM, Cal Garcia; escrevi para os primeiros jornais e revistas da cidade: A Hora, A Tribuna, O Jornal, Folha do Norte, Maringá Ilustrada, NP...  

Xiiiiii... vou parar por aqui, antes que me perguntem se joguei bola de gude com Olavo Bilac.

Muitísssimo obrigado à minha querida família, aos queridos amigos e amigas, a todas as pessoas que me ajudaram a chegar até aqui. Com especial carinho, beijo-lhes as mãos. 
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 13-4-2023)

Fonte:
Texto obtido no facebook do autor.

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