sexta-feira, 26 de maio de 2023

Contos e Lendas da África (O macaco, a cobra e o leão)

Há muito, muito tempo, em uma aldeia chamada Kejee’jee, vivia uma viúva que criava seu bebê sozinha. Ela trabalhava muito para conseguir alimentar a si e ao filho. Eram muito pobres, inúmeras vezes passavam fome.

Quando o garoto, que se chamava ’Mvoo Laa’na, ficou um pouco mais velho, perguntou à mãe:

— Mamãe, estamos sempre passando fome. Que trabalho meu pai fazia para nos sustentar?

— Seu pai era caçador — respondeu a mulher. — Ele colocava armadilhas pela floresta e comíamos o que ele capturava.

— Ah! Isso não é trabalho, é diversão! — alegrou-se ’Mvoo Laa’na. — Também farei armadilhas. Vamos ver se consigo pegar algo para comermos.

No dia seguinte, foi à floresta cortar galhos das árvores e voltou à noite. No segundo dia, construiu armadilhas com os galhos. No terceiro dia, trançou fibras de coco e fez cordas. No quarto dia, espalhou o maior número de armadilhas que conseguiu. No quinto dia, colocou ainda mais armadilhas. No sexto dia, foi à floresta verificá-las. Apanhou mais animais que o necessário para comer, então foi à grande cidade de Oongoo’ja vender o excedente. Comprou milho e outras coisas. Deixou sua casa repleta de comida.

Sua sorte continuou por um bom tempo. Assim, ele e mãe passaram a viver confortavelmente. No entanto, depois de certo tempo, não encontrava mais nada em suas armadilhas.

Certa manhã, viu um macaco preso em uma das arapucas. Estava prestes a matá-lo quando o animal disse:

— Filho de Adão, eu sou Neea’nee, o macaco. Não me mate. Liberte-me e deixe-me ir embora. Salve-me da chuva, pois um dia eu poderei salvá-lo do sol.

’Mvoo Laa’na retirou-o da armadilha e o deixou partir.

Neea’nee então subiu em uma árvore e de um galho alto disse ao jovem:

— Darei um conselho em troca de sua gentileza. Todos os homens são maus, acredite em mim. Nunca ajude homem nenhum, pois ele se voltará contra você na primeira oportunidade.

No segundo dia, ’Mvoo Laa’na encontrou uma cobra presa na mesma armadilha. Estava saindo para avisar a todos na aldeia, quando a cobra lhe chamou:

— Volte, filho de Adão! Não diga aos aldeões para virem aqui me matar. Eu sou Neeo’ka, a cobra. Me liberte, eu lhe imploro. Salve-me da chuva hoje, pois talvez um dia eu consiga salvá-lo do sol.

Então o jovem libertou a cobra, que lhe disse antes de partir:

— Retribuirei sua gentileza quando a oportunidade surgir. Mas não confie em nenhum homem. Se você for gentil, eles pagarão com maldade tão logo tenham a chance.

No terceiro dia, ’Mvoo Laa’na encontrou um leão na mesma armadilha em que havia pego o macaco e a cobra. Estava receoso em se aproximar, mas o leão disse:

— Não fuja! Eu sou Sim’ba Kong’way, o velho leão. Deixe-me sair desta armadilha, não o machucarei. Salve-me da chuva, pois eu poderei salvá-lo do sol quando você precisar.

’Mvoo Laa’na confiou nas palavras do leão e o libertou. Antes de partir, Sim’ba Kong’way lhe disse:

— Filho de Adão, você me ajudou e eu te retribuirei se puder. Mas nunca ajude a um homem, pois ele retribuirá unicamente com ofensas.

No dia seguinte um homem ficou preso na mesma armadilha. Quando ’Mvoo Laa’na o libertou, o homem assegurou-o inúmeras vezes de que jamais esqueceria que o jovem havia salvado sua vida.

Parecia que ’Mvoo Laa’na já havia capturado todos os animais da floresta. Logo ele e sua mãe voltaram a passar fome e não conseguiam encontrar nada que pudessem comer. Até que um dia o rapaz disse:

— Mãe, pegue a pouca carne que nos resta e faça sete tortas. Vou caçar com meu arco e flecha.

Ela assou as tortas para ’Mvoo Laa’na, que as levou em sua incursão na floresta.

O jovem andou muito e não encontrou nenhuma caça. Percebeu que estava perdido e só lhe restava uma das tortas. Continuou vagando, sem saber se ia na direção de sua casa ou no caminho contrário. Penetrou cada vez mais no bosque até chegar a uma área selvagem e desolada onde nunca havia estado antes. Estava exausto e desesperançoso, a ponto de cair no chão e esperar pela morte, quando de repente ouviu alguém chamar seu nome. Olhou para cima e viu Neea’nee, o macaco, que disse:

— Aonde vai, filho de Adão?

— Não sei. — respondeu ’Mvoo Laa’na tristemente. — Estou perdido.

— Não se preocupe! — consolou o macaco. — Sente-se e descanse até eu voltar. Pagarei com gentileza a bondade que você um dia me fez.

Então Neea’nee foi até um pomar e roubou bananas e mamões papaia.

— Aqui tem bastante comida. Há algo mais que você queira? Está com sede?

E antes que ’Mvoo Laa’na respondesse, Neea’nee saiu novamente e voltou com uma cabaça cheia de água. O jovem comeu e bebeu até se saciar. Então despediram-se e cada um seguiu seu rumo.

Após andar um grande percurso sem encontrar o caminho de volta para casa, ’Mvoo Laa’na encontrou Sim’ba Kong’way, que lhe perguntou:

— Aonde vai, filho de Adão?

E com a mesma tristeza de antes, o rapaz respondeu:

— Não sei. Estou perdido.

— Alegre-se! — disse o velho leão. — Descanse um pouco aqui. Hoje retribuirei sua bondade.

’Mvoo Laa’na sentou-se e Simba sumiu na floresta, mas logo voltou com caça e também trouxe fogo. O rapaz cozinhou a carne e sentiu-se muito melhor após comer. Despediram-se e tomaram caminhos opostos.

Depois de percorrer mais uma longa distância, o jovem encontrou uma fazenda, onde foi recebido por uma senhora muito, muito velha, que lhe disse:

— Forasteiro, meu marido está muito doente, eu preciso de alguém que saiba fazer um remédio para ele. Você pode me ajudar?

— Minha boa senhora, eu não posso. Sou um caçador, não um médico. Nunca fiz um remédio na vida.

Então ’Mvoo Laa’na seguiu pela estrada que levava à cidade principal, quando viu um poço com um balde ao lado. Disse para si mesmo:

— É exatamente o que eu precisava: tomar um pouco de boa água de um poço. Deixe-me ver se o balde chega até o fundo.

Olhou pela borda para verificar a altura da água e encontrou uma grande cobra dentro do poço, que assim que o viu disse:

— Espere um pouco, filho de Adão! — e se esgueirou até sair do poço. — Ora, então não se lembra de mim?

— Não lembro, juro que não! — explicou o rapaz, afastando-se.

— Pois eu jamais me esqueceria de você. — tornou a cobra. — Eu sou Neeoka, você me libertou da armadilha. Eu disse a você: “Salve-me da chuva, que um dia te salvarei do sol”. Você será um estrangeiro no local para onde vai. Por isso, me dê sua bolsa e eu colocarei nela coisas que serão úteis na cidade.

’Mvoo Laa’na entregou sua pequena bolsa à Neeo’ka, que a encheu com correntes de ouro e prata, dizendo que ele poderia usá-las como julgasse melhor. Os dois se despediram amavelmente e se separaram.

Quando o rapaz chegou à cidade, a primeira pessoa que encontrou foi o homem que havia libertado da armadilha, que o convidou para ir à sua casa. ’Mvoo Laa’na aceitou o convite e jantou em companhia de seu novo amigo e sua esposa.

Assim que teve uma oportunidade, o homem foi até o sultão e disse:

— Há um forasteiro em minha casa com uma bolsa cheia de correntes de ouro e prata. Disse que ganhou de uma cobra que vive em um poço. Mesmo que esteja disfarçado, sei que na verdade é uma cobra fingindo ser homem.

Ao ouvir tal acusação, o sultão ordenou que seus soldados capturassem ’Mvoo Laa’na. O homem libertado da armadilha convenceu a todos de que, caso a bolsa fosse aberta, dela sairia algum feitiço que atingiria os filhos do sultão e do vizir.

As pessoas ficaram tão aterrorizadas que amarraram ’Mvoo Laa’na. Nesse momento, a grande cobra apareceu, ela havia saído do poço para ir à cidade. Neeo’ka deitou-se aos pés do homem que havia acusado ’Mvoo Laa’na.

Ao ver aquilo, os cidadãos disseram:

— Como isso é possível? Essa é a grande cobra que vive no poço. Ela está deitada ao seu lado. Mande-a embora.

Mas Neeo’ka não moveu um músculo. Então eles desamarraram ’Mvoo Laa’na, pois temiam que fosse um mago, e desculparam-se de todas as formas possíveis.

— Por que esse homem o convidou para jantar em sua casa e depois o acusou? — perguntou o sultão.

Nesse momento, ’Mvoo Laa’na lembrou-se de tudo o que havia acontecido, de como o macaco, a cobra e o leão o advertiram sobre o que aconteceria caso ajudasse algum homem.

O sultão então disse:

— Embora muitos homens sejam ingratos, nem todos são, somente os maus. A punição para esse homem será ser amarrado em um saco e afogado no mar. Ele foi tratado com bondade, mas pagou o bem com o mal.

Fonte:
Elphinstone Dayrell, George W. Bateman e Robert Hamill Nassau. Contos Folclóricos Africanos vol. 1. (trad. Gabriel Naldi). Edição Bilingue. SESC.
Distribuição gratuita.

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