quarta-feira, 10 de maio de 2023

Caldeirão Poético LXII


Delson Tarlé
(Rio de Janeiro)

RESUMO

Imenso mar de amor. Flutuo, em febre,
sobre ti. Temerário, me condeno
ao vendaval do teu corpo moreno,
em que talvez a minha nau se quebre.

Agora, ilha de paz. Sou ave, lebre,
nimbo e céu. Se teu beijo tem veneno,
tem hálito de flor... O olhar sereno
entra em mim como o luar por um casebre.

És raio, és onda, és fúria, és vendaval,
e és voo, és flor, és luar, és paz sentida,
o que minha alma espera e o corpo quer.

Alma tão pura e carne tão sensual!
Céu e Terra, Alma e Corpo, Sonho e Vida
vêm resumir-se em ti, porque és mulher.
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Elton Carvalho
(Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1994)

LAVRADOR

Nem bem surgiu o rubro da alvorada,
nem bem a noite se aquietou no monte,
já vai o lavrador levando a enxada
e se perde nos longes do horizonte.

E, após uma exaustiva caminhada,
antes mesmo, sequer, que o sol desponte,
rega a terra querida e abençoada
o suor que lhe escorre pela fronte!

Os que tratam da terra todo o dia
e fazem do trabalho uma alegria
têm a chama divina dos heróis.

Há centelhas de luz nos seus destinos:
lavradores são deuses pequeninos
que, da terra e do nada, criam sóis!
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Elza Capanema Leitão
(Rio de Janeiro/RJ)

FASCINAÇÃO

Esculpi, com ternura, a musa inspiradora,
querendo dar meu sangue à pedra dura e fria...
Manejando o buril — ardente e inovadora,
de repente, aos meus pés, Apolo ressurgia!

Uma fascinação nasceu — devastadora,
e, enamorada, eu quis, num passe de magia,
dar vida ao seu perfil de estátua sonhadora,
na luta de um artista, amante, em euforia.

Nas formas divinais, loucamente, procuro
uma prova de amor — o que a minha alma anseia,
neste abismo total —, um desejo inseguro!

Porém, inutilmente, a estátua olha distante,
sem perceber a dor e a lágrima que alteia
esta fascinação estranha e apaixonante.
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Flamínio Caldas
(Campos dos Goytacazes/RJ, 1886 – 1907)

CANÇÃO DA AGONIA

Quando o sangue parar em minhas veias
e cair sobre mim o véu da morte,
tu, que quebraste todas as cadeias
por nosso amor, sê corajosa e forte!

Possam meus olhos, no final transporte,
Ver-te os olhos enxutos. Rindo, creias,
eu cumprirei contente a minha sorte,
aliviado das lágrimas alheias...

Na hora extrema, não quero ver tristeza...
Fale a voz da alegria em cada canto,
nade na luz do sol a natureza!

Que venha, então, a deusa amortecida!...
Mas não chores, que foi todo de pranto
o caminho que fiz por esta vida!
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Idália Krau
(Rio de Janeiro/RJ, 1912 – ????)

A MORTE DO POETA

De asas pandas, o pássaro da morte
rondava aquela noite de tristeza...
Implacável e frio, o vento norte
nossa casa açoitava com rudeza.

O corpo de meu pai, outrora forte,
jazia inanimado sobre a mesa...
Cada círio a queimar em seu suporte,
era a lágrima, a dor chorando acesa!

Finda-se a vida, mas, nem tudo finda,
e ao ler seu livro vi que existe ainda
o eterno coração de um grande esteta;

pois, sua alma cantando em cada verso,
é a doce afirmação, para o Universo,
de que é imortal a vida do Poeta...
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Jacinto de Campos
(Canavieiras/BA, 1900 – ????, Rio de Janeiro/RJ)

AS DUAS PALMEIRAS

Quando passo, buscando a humana lida,
a alma repleta de ilusões tão várias,
junto à velha choupana carcomida,
vejo duas palmeiras solitárias...

Uma a reverdecer... a outra caída,
num desmancho de palmas funerárias...
E, ao som da harpa do vento, a que tem vida,
saudosa plange salmodias e árias...

Ó tu, que me olvidaste no caminho,
meu coração deixando como um ninho
vazio e triste ao vento balouçando,

a saudade me diz, como em segredo,
que és a palmeira que morreu bem cedo
e eu sou aquela que ficou chorando...

Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

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