Coube a Fra Guittone d'Arezzo (1230-1294) a fixação categórica da forma do soneto. Não alterou profundamente a estrutura do poema inventado na corte de Frederico II. Todavia, é inegável, foi ele quem, por assim dizer, confirmou, com pequenos retoques, a sua validade, a solidez de sua constituição histórica, a sua genuína legalidade.
A disposição das estrofes, e também das rimas, variara por alguns anos; mas 'Guittone, embora respeitando, a princípio, o critério biestrófico (uma oitava e um sexteto), estabeleceu a estruturação definitiva do soneto: a "forma tetrapartida", dois quartetos e dois tercetos, contendo, ao todo, quatro rimas (duas, com distribuição modificada, nos quartetos; e duas, diferentes delas, nos tercetos).
Esta configuração, dita oficial, foi seguida pelos seus discípulos e coevos; e é, ainda hoje, aceita e acatada como a forma que se poderia classificar de "ideal":
ABBA ABBA CDC DCD
Guittone, veja-se, deixou que os tercetos (a parte mais obre) continuassem com as rimas alternadas (cruzadas). E, quanto aos quartetos, decidiu, inovando, que as rimas passassem a ser emparelhadas (abraçadas) no interior, e abertas nas extremidades. No seu entender, quebraria, com isso, a corrente de 14 rimas, todas alternadas.
Capacitadas fontes (entre as quais a "Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura" — Editorial VERBO, de Lisboa; a "Enciclopédia Universal Ilustrada Europeo-Americana" — Espasa Calpe S.A. Madrid, etc.) afirmam que foi Guittone d'Arezzo o primeiro a usar este esquema rimático. Descendo a detalhes, Guittone chamou a atenção dos poetas para a pausa que deve haver entre as quadras e os tercetos; a independência, embora pouco acentuada, que convém existir entre as próprias quadras; e a supressão da "cauda", ou "estrambote", excrescência que considerou desnecessária, conquanto já estilizada, então, por alguns poetas da escola siciliana.
Julgava ele que, assim, poderia fazer da primeira parte (os dois quartetos) uma espécie de introdução à ideia que se desdobraria, inteira, na segunda parte (os dois tercetos). Supõem muitos que, com essa estratégia, com esse ardil, o soneto passou a exercer uma função semelhante à dos epigramas dos antigos.
Guittone, ao plantar essa árvore encantada, antecipou, também, que o soneto se comporia melhor com versos decassílabos de rimas graves, argumento praticamente decisivo para lhe atribuir a origem italiana. É bom lembrar que a língua francesa não se ajusta a essa particularidade. Não foi por motivo outro que os franceses inventaram o verso alexandrino (dodecassílabo), mais adequado à natureza do seu idioma. Até por fundamento etimológico, o vocábulo soneto, tanto nas línguas neolatinas, corno célticas, provém do ítalo sonetto, estando no mesmo caso quartetto e terzetto.
Guittone desempenhou, portanto, um papel importantíssimo na cristalização da estrutura do soneto. Pôs em prática o ideal de perfeição da escola siciliana.
Com o correr do tempo, a rigidez na ordem das rimas deixou de ser uma obrigatoriedade, embora jamais fosse abolido o dever de se utilizar o mínimo de quatro e o máximo de cinco rimas, em todo o poema. Fora disso, tudo pode, até, ser poesia, mas não é o soneto clássico.
Os quartetos, normalmente, podem ser armados com:
ABBA ABBA
ABAB ABAB
ABBA BAAB
ABAB BABA
Quanto aos tercetos, que se movimentam com relativa liberdade, comportam muitas variações, como:
CDC DCD
CCD EED
CDE CDE
CCD EDE
CDE DCE
CCD DEE
CDD DCC
CDE EDC
CDE DEC
CDD CEE
CDC EDE etc.
Ao ser criado, era, apenas, uma canção de amor. Mas, como acontece em qualquer atividade recém-vinda ao mundo, as primitivas manifestações do soneto foram, também, deturpadas. Logo no início, sua aplicação desviou-se um tanto das belas-artes. Por pouco tempo, felizmente.
Primeiro, como lembra Klabund, "os güelfos e gibelinos dele se serviram, a fim de fazerem suas polêmicas em versos". Güelfos e gibelinos eram nomes que provinham de famílias alemãs rivais. Em 1215, travaram-se contendas fratricidas, do mesmo tipo, entre duas grandes famílias florentinas. Os guelfos apelaram para o ex-rei da Germânia, Otto, que havia sido destronado por Frederico I e os gibelinos para o próprio Frederico II — dividindo, assim, a nobreza de Florença e de outras cidades da Itália. Os partidários do papado se declararam guelfos. Lutas aguerridas desuniram a Itália e ensanguentaram as povoações. Os guelfos levaram vantagem em Florença, Milão, Bolonha, Ferrara, Pádua e Mântua. Os gibelinos, em Cremona, Modena, Rimini, Pavia, Siena, Lucca e Pisa. Os vencidos eventuais de cada partido eram massacrados, ou então exilados, como foi o caso de Guido Guinizelli e de Dante (guelfos).
Essas guerras civis só chegaram ao término após a transferência do papado para Avignon, na França. Haviam começado no século XII, cessando as hostilidades somente no fim do século XV, em 1494.
Também foi, o soneto, segundo a Enciclopédia Mirador Internacional, "recheado com todas as invenções provençais, muitas coincidentes com os conceitos dos poetas eróticos romanos (e, portanto, dos epigramistas gregos)".
Como, porém, teria de acontecer, o soneto, retornando à finalidade lírica para a qual foi criado, começou a se espalhar por todos os países, fazendo carreira.
Contra as artificialidades acima referidas, surgiu a reação de Guido Guinizelli (1240-1276), criando a Escola do "Dolce Stil Nuovo".
De acordo com a mesma fonte (Enc. Mirador), "nessa escola se desenvolveu a concepção platônica do amor, transfigurando-se a dama num ser superior e angélico; nada há de pecaminoso ou torpe no amor; as comparações do poeta são tiradas da natureza; combinam-se a devoção e a visão filosófica".
Seguiram-no Guido Cavalcanti (1255-1300), seu discípulo, e Dante Alighieri (1265-1321).
Guido Cavalcanti, nobre no sangue e na poesia, dispensava ao soneto carinhos enternecedores. Dante e Guido foram contemporâneos, amigos e participantes da nova escola. E Dante considerava tanto o valor literário de Guido, que lhe dedicou seu livro de estreia, a "Vita Nuova".
Na opinião idônea do historiador suíço Jacob Burckhardt (1818-1897), "Dante não precisaria ter escrito a "Comédia" para ser o primeiro poeta dos tempos modernos; bastariam, para isso, os sonetos (e a prosa com que os explica) da "Vita Nuova". Dante foi o primeiro a ver sua própria alma; o espírito humano dera um forte passo no conhecimento de sua própria vida secreta".
Ambos, Guido e Dante, praticamente, viram o soneto nascer. Então, esse poema, vagindo e, depois, mal engatinhando, já era grande, e maior, muito maior, viria a ser, pouquíssimos anos depois, com Petrarca.
São, ainda, palavras de Burckhardt, sobre a força do seu destino, promissor e radioso, já naquela época: "O soneto deve ser tomado como uma inefável bênção para a poesia italiana. A nitidez e a beleza de sua estrutura, o convite que fazia para elevar o pensamento na segunda parte, que se move mais rapidamente, a facilidade com a qual podia ser decorado, fizeram-no apreciado mesmo pelos maiores mestres. O soneto forçava a uma concentração de sentimentos, de modo tal que se tornou para a literatura italiana um condensador de pensamentos e emoções, como não havia na literatura de qualquer outro povo moderno".
Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987. Disponível no Secular Soneto. Acesso em 11 maio 2023.
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