— Psiu! Para onde
Segue este bonde? —
O cocheiro interrogado
— Para a Estação — me responde;
A tabuleta não vê? —
— Muito obrigado.
— Não há de quê.
Era um bonde fechado.
Sentei-me, carrancudo,
Pensando em nada ou em tudo,
Que tudo ou nada vem a dar no mesmo,
E eu penso em tudo e em nada
Todas as vezes que passeio a esmo,
Por dar alívio à mente atribulada.
O bonde parte. Eu estava só. Ninguém
Me fazia
Companhia.
Porém
Alguém
Lá vem:
Uma moça e uma velha entram no carro,
E eu, por ser cavalheiro,
Renuncio a fumar o meu cigarro inteiro,
E deito fora a ponta do cigarro.
A moça não é feia nem bonita.
Modesta no trajar, traz um vestido
De ramalhuda chita,
E um chapéu já muitíssimo batido.
A velha é magra, é alta,
E parece que chora quando ri.
Os dentes lhe fizeram muita falta...
Uma velha mais feia nunca vi!
Aquela hedionda cara
Muito pé de cabelo e muita ruga
Me depara,
Sem falar na verruga,
Coisa rara,
Que não sara,
No nariz,
De pingos de tabaco chafariz.
Pente descomunal, de tartaruga,
Lhe adorna a cabeleira, que tresanda
Ao tal sebo de Holanda.
Enquanto a velha enxuga
O pingo eternamente pendurado,
A moça o verbo namorar conjuga
Co’um janota caolho,
Que entrara há pouco e lhe piscara um olho,
O único olho que possui — coitado!
Fica a velha de orelha
Em pé, e logo enruga
A branca sobrancelha,
E incha, como incha a negra sanguessuga
Que o Zeferino aluga.
A moça não se importa,
E dirige ao rapaz, leviana e franca,
Pecaminoso olhar de enchova morta,
Que o enleva e transporta,
E suspiros estrídulos lhe arranca.
Mas as damas chegaram
Ao seu destino. Ambas se levantaram.
A moça faz um sinal
Ao condutor, que repara,
E, com o choque especial
Que produz sempre o bonde quando para,
Cai o moço sobre a velha,
Que estava olhando de esguelha;
Cai a velha sobre o moço;
Cai o moço sobre mim!
Que alvoroço!
Que chinfrim!
Saíram todos três. Fiquei pisado,
E ansioso por saber se o resultado
Daquela barafunda
Seria um casamento ou uma tunda.
Um casamento foi. Passado um mês,
Encontrei o caolho namorado
Na rua do Alecrim, de braço dado
À moça, e a tal velhota desta vez
Tinha em casa ficado.
(Maranhão, 1872)
Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Arthur de Azevedo. Contos em verso (contos maranhenses). Publicado originalmente em 1909.
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