Ainda sinto o teu corpo ao meu corpo colado;
nos lábios, a volúpia ardente do teu beijo;
no quarto a solidão, desnuda, ainda te vejo,
a olhar-me com olhar nervoso e apaixonado...
Partiste!... Mas no peito ainda sinto a ânsia e o latejo
daquele último abraço inquieto e demorado...
- Na quentura do espaço a transpirar pecado,
Ainda baila a figura estranha do desejo...
Não posso mais viver sem ter-te nos meus braços!
- Quando longe tu estás, minha alma se alvoroça
julgando ouvir no quarto o ruído dos teus passos...
Na lembrança revejo os momentos felizes,
e chego a acredita que a minha carne moça
na tua carne moça até criou raízes!...
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SOLIDÃO
Um frio enorme esta minha alma corta,
e eu me encolho em mim mesmo: - a solidão
anda lá fora, e o vento à minha porta
passa arrastando as folhas pelo chão...
Nesta noite de inverno fria e morta,
em meio ao neblinar da cerração,
o silêncio, que o espírito conforta,
exaspera a minha alma de aflição...
As horas vão passando em abandono,
e entre os frios lençóis onde me deito
em vão tento conciliar o sono
A cama é fria... O quarto úmido e triste...
- Há uma noite de inverno no meu peito,
desde o instante cruel em que partiste...
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SOLITÁRIO
Longe de ti, do mundo - solitário.
sem o riso das falsas alegrias
vou desfiando, um a um, todos os dias,
como contas de dor, no meu rosário...
E assim - sem Ter ninguém - oh, quantas vezes!
- no amor que já deixei fico a pensar...
E as semanas se escoam sem parar:
a primeira... outra mais... mais outra... e os meses...
O outono já chegou, e as folhas solta...
E eu, sem querer, nostálgico, me ponho
a pensar que esse amor aos poucos volta...
Mentira!... Vã mentira que me ilude!...
Como é triste a ilusão mesmo num sonho,
Eu que na vida me iludir não pude!...
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SONETINHO
Não tenho jeito pra trova
apesar das que já fiz,
a quadra lembra uma cova
com a cruz dos versos em X...
Ainda estou vivo e feliz
e do que digo dou prova:
- tentei cantar, numa trova,
e o meu amor pediu bis.
Bem sei que é meu o defeito.
mas uma trova é tão pouco
que ao meu cantar não dá jeito...
Só mesmo um poema é capaz
de conter o amor demais
que trago dentro do peito.
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SONETO AO NOSSO ENCONTRO
Desenrolam-se as curvas do caminho
à proporção que aos poucos avançamos...
Um dia, - e eu vinha então triste e sozinho,
- um dia, - vinhas só... nos encontramos...
Desde esse dia, juntos, simulamos
duas asas de um mesmo passarinho,
- nesse destino que entrançou dois ramos
que dão a mesma flor... e o mesmo espinho...
Depois de tantas curvas já vencidas
que sejamos ao fim de nossas vidas
na perfeição do amor que nos conduz,
- como a folhagem que um só ninho esconde,
ou dois galhos que vêm da mesma fronde
para juntos morrer na mesma cruz!
Fonte:
JG de Araújo Jorge. Meus sonetos de amor. RJ: Ed. do Autor, 1961.
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