Após aquela noite de festa, em que dançara desesperadamente com todos os rapazes que lhe pediam essa honra, amanheceu mademoiselle Beatriz com febre alta, e uma tosse forte, com grandes dores no peito. Chamados os Drs. Miguel Couto, Austregésilo e Aluísio de Castro, foi debalde que eles recorreram, em conjunto, às possibilidades da ciência: ao segundo dia a encantadora brasileirinha falecia, fazendo desfilar pela rua D. Mariana o mais suntuoso enterro de virgem que já se viu no bairro de Botafogo.
Quebrados, assim, os grilhões que a prendiam a este mundo de "fox-trots" e "maxixes", foi mademoiselle Beatriz tão alva como a de Dante, bater, sorrindo, à luminosa porta do céu. E foi um alvoroço, como dificilmente se imagina.
Tratando-se de um acontecimento raro, e que se torna cada vez menos frequente, a recepção das virgens se reveste, no céu, de uma suntuosidade excepcional. Para ver, e saudar, de perto, a heroína, juntam-se no vestíbulo dos empíreos, agitando palmas de rosas, todos os bem-aventurados. E mal a recém-chegada põe o pé no batente florido, rompe por todo o Paraíso o coro dos anjos, cujas vozes se misturam, doces, meigas, comoventes, às das onze mil companheiras de Santa Úrsula.
Era essa a recepção que aguardava mademoiselle Beatriz, quando ia ficando tudo inutilizado por um incidente imprevisto. Anunciada pelos serafins, de longe, do carro de ouro das nuvens, a aproximação da venturosa, ordenou S. Pedro que Santa Cecília e Santa Matilde o ajudassem no reconhecimento da nova eleita de Deus, estabelecendo a sua identidade. Para isso era preciso, entretanto, despojá-la da sua grinalda, dos seus enfeites, das suas complexas roupas terrenas, deixando patente, com a pureza do seu corpo, a inocência do seu coração.
Assim, porém, que principiou este serviço delicado, as santas recuaram, escandalizadas. E, entreolhando-se, chamaram São Pedro.
- A moça não é esta, meu santo!
O chaveiro correu, aflito, e fixando os olhos puros no corpo virginíssimo de Beatriz, indagou, espantado:
- De que foi que você morreu, minha filha?
- De pneumonia, meu santo!
O apóstolo encarou-a, incrédulo, e insistiu:
- Você não está enganada, não?
- Não, senhor.
- Você não morreu em algum desastre de estrada de ferro, de alguma queda de aeroplano, de algum encontro de automóveis?
- Não, senhor! - teimou a moça, firme, sacudindo a cabeça.
- Que significam, então, - tornou o santo, - essas equimoses no seu colo, no seu estômago, no seu ventre, nas suas pernas como quem foi arrastada de bruços pelo calçamento?
Beatriz baixou os olhos negros pelo seu claro corpo maravilhoso, e, sorrindo:
- Ahn! Não é nada, não!
E explicou, com graça:
- É que eu morri, dois dias depois de um grande baile, em que dancei o tango com os rapazes mais elegantes do Rio de janeiro!
E, desatando a rir, entrou, entre os anjos, no céu…
Quebrados, assim, os grilhões que a prendiam a este mundo de "fox-trots" e "maxixes", foi mademoiselle Beatriz tão alva como a de Dante, bater, sorrindo, à luminosa porta do céu. E foi um alvoroço, como dificilmente se imagina.
Tratando-se de um acontecimento raro, e que se torna cada vez menos frequente, a recepção das virgens se reveste, no céu, de uma suntuosidade excepcional. Para ver, e saudar, de perto, a heroína, juntam-se no vestíbulo dos empíreos, agitando palmas de rosas, todos os bem-aventurados. E mal a recém-chegada põe o pé no batente florido, rompe por todo o Paraíso o coro dos anjos, cujas vozes se misturam, doces, meigas, comoventes, às das onze mil companheiras de Santa Úrsula.
Era essa a recepção que aguardava mademoiselle Beatriz, quando ia ficando tudo inutilizado por um incidente imprevisto. Anunciada pelos serafins, de longe, do carro de ouro das nuvens, a aproximação da venturosa, ordenou S. Pedro que Santa Cecília e Santa Matilde o ajudassem no reconhecimento da nova eleita de Deus, estabelecendo a sua identidade. Para isso era preciso, entretanto, despojá-la da sua grinalda, dos seus enfeites, das suas complexas roupas terrenas, deixando patente, com a pureza do seu corpo, a inocência do seu coração.
Assim, porém, que principiou este serviço delicado, as santas recuaram, escandalizadas. E, entreolhando-se, chamaram São Pedro.
- A moça não é esta, meu santo!
O chaveiro correu, aflito, e fixando os olhos puros no corpo virginíssimo de Beatriz, indagou, espantado:
- De que foi que você morreu, minha filha?
- De pneumonia, meu santo!
O apóstolo encarou-a, incrédulo, e insistiu:
- Você não está enganada, não?
- Não, senhor.
- Você não morreu em algum desastre de estrada de ferro, de alguma queda de aeroplano, de algum encontro de automóveis?
- Não, senhor! - teimou a moça, firme, sacudindo a cabeça.
- Que significam, então, - tornou o santo, - essas equimoses no seu colo, no seu estômago, no seu ventre, nas suas pernas como quem foi arrastada de bruços pelo calçamento?
Beatriz baixou os olhos negros pelo seu claro corpo maravilhoso, e, sorrindo:
- Ahn! Não é nada, não!
E explicou, com graça:
- É que eu morri, dois dias depois de um grande baile, em que dancei o tango com os rapazes mais elegantes do Rio de janeiro!
E, desatando a rir, entrou, entre os anjos, no céu…
Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Disponível em Domínio Público.
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
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