sexta-feira, 1 de março de 2024

Renato Frata (Um pé de goiabas)

Há uns treze anos dei-me de presente um imóvel que transformei em escritório. É bem central, defronte a uma bela igreja e vi, no momento da compra, que fazia um belo negócio por três razões: o ponto privilegiado, a qualidade do imóvel e, o mais importante, a vizinhança. Meu vizinho de frente é espetacular! Atende-me em tudo: "Pede e atenderei", disse ele um dia.

Pois bem, reforma concluída, móveis instalados, fachada pintada, notei que num dos cantos do terreno, perto da pequena lavanderia, nascia um broto tão verde que se destacava do piso acimentado.

Eram duas folhinhas no formato de orelhas que, curiosas, procuravam a suavidade do sol da manhã sem se importar com a quentura do da tarde. A pequena planta foi por nós adotada e lhe demos água. Todos os dias. Não há vegetal que resista a um bom copo de água, assim como não resistimos a um copo bem gelado de cerveja, e ele cresceu, esgalhou-se, encorpou-se bebendo da nossa água e se aquecendo no sol do quintal. E nos tornamos amigos; tanto que primeiro abrigou uma bicicleta, depois uma motocicleta e, mais tarde, pela fresca das folhas, um automóvel, e, portentoso, seguiu verde como a esperança não contagiável.

Você, por acaso, já viu um pé de goiabas espremido entre o muro e o acimentado de quintal? Ali ele não é um número como numa plantação, ele é único, um ser vivo respeitado como se tivesse coração, como nós. Suas raízes fortes e profundas se grudam no chão com o afinco que damos à vida e suas folhas, oblongas e de ápice arredondado, pilosas na face inferior e com até 13 centímetros de comprimento, balançam ao vento como cabelos destrançados e fazem, no vaivém que a nervura dos galhos permite, um bailado belo e envolvente, oferecido àqueles que têm olhos para ver.

Sem ser surrealista, ao vê-lo tremular folhas, vejo-o parecido com crianças em bando na calçada no Dia da Independência a gesticular bandeirolas para a fanfarra, e reconheço que a natureza retribui o carinho que lhe dedicamos, pois, passados quase dois anos do seu nascimento, ele nos surpreendeu, deixando vazar pelos gabos pequenos botões-verrugas tão verdes quanto as folhas que logo se amarronzaram para se abrirem em flores brancas, pequeníssimas margaridas - e receberem o sol da vida, e com ele abelhas às centenas - preocupadas em colher o néctar do seu âmago.

Dediquei-lhe uns minutos naquela manhã, vendo-o beijado pelo vento e pelas abelhas, enriquecendo o canteirinho vulgar de fundo de quintal, mesmo porque um pé de fruta, qualquer seja a espécie, e - como disse Rubem Braga ao falar de seu pé de milho – um belo gesto da terra.

Tá certo que de vez em quando cochonilhas (insetos perniciosos à plantas cultivadas) o invadem, sugando suas folhas e me obrigando a banhos semanais de inseticida mas seus doces e suculentos frutos são, eu reconheço, a devolução carinhosa de reciprocidade que a natureza faz dos copos de água que diariamente recebe.

Fonte> Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor

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