Desvendando o homem atrás do escritor e o escritor atrás do homem, hoje, em nossa quinta entrevista, o escritor cearense, radicado no Rio de Janeiro, Moacir Costa Lopes, que nasceu em 11 de junho de 1927, em Quixadá, Ceará. Criou seu próprio método de criação literária, do que resultou seu livro de ensaio/didático Guia prático de criação literária, editado em 2001. Marinheiro, na Segunda Guerra Mundial, Escreve sobre a vida dos marinheiros, sugestão do folclorista Luís da Câmara Cascudo , estreando com o romance Maria de Cada Porto. Colaborador de diversos jornais, obteve diversos premios. Vinte e um livros já editados, incluindo ensaios e literatura infantil.
Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.
Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.
Nasci em Quixadá, Ceará, em 11 de junho de 1927, perdi meu pai aos 2 anos de idade, minha mãe aos 11, indo morar com um tio, fugi de casa no início de 1942 por maus tratos. Localizado por meu tio, regressei, mas logo tratei de entrar para a Marinha do Brasil, o que realizei em final de 1942, participando de inúmeras viagens em diversos navios durante toda a Segunda Guerra Mundial. Dei baixa da Marinha em 1950. Meus estudos foram muitas vezes interrompidos, e resolvi que não me interessavam estudos formais, passando a um autodidatismo focado exclusivamente nos estudos de literatura e da cultura geral. Assim, nenhum estímulo eu tive na minha infância. Desde criança tornei-me leitor compulsivo de literatura de cordel, com sua cultura medieval e de personagens típicos como cangaceiros, figuras messiânicas e folclore. Já como marinheiro foi que vim a ler o primeiro romance, O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, e não parei mais de ler os mestres da literatura universal, com o objetivo de estudar a visão-de-mundo de cada um e seu estilo literário, concluindo que se um dia pretendesse me tornar escritor, deveria começar por ser um grande leitor, decifrando a carpintaria literária dos mestres.
Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever.
Foi um longo aprendizado literário, através da leitura, começando com os fran-ceses, Balzac, Gustave Flaubert, Stendhal, Anatole France, Guy de Maupassant, Victor Hugo, Marcel Proust, além de clássicos como Montesquieu, passando à literatura russa, tendo Dostoievski e Tolstoi, Gogol como os principais, depois a inglesa, com William Shakespeare, Charles Morgan, Charles Dickens, Emily Brontë, James Joyce, passando aos portugueses, em que pude destacar Camilo Castelo Branco, Alexandre Herculano e Eça de Queiroz. Além de obras imprescindíveis como as de Homero, Idíada e Odisséia, A Divina Comédia, de Dante Alighieri, Dom Quixote, de Cervantes. Finalmente, chegando à literatura brasileira, quando passei a estudar com mais afinco o estilo de cada autor, já lidando com nosso idioma. Foram muitos, sendo os principais Machado de Assis, José Lins do Rego, Guimarães Rosa, Dalcídio Jurandir, Érico Veríssimo, Jorge Amado, e, finalmente, Graciliano Ramos, que passei a considerar o mais importante ficcionista brasileiro, dono de estilo impecável.
Fale um pouco sobre sua trajetória literária. Como começou a vida de escritor?
Ainda marinheiro, depois de muita leitura resolvi tornar-me escritor, organizan-do meu próprio método de criação literária, na busca de um estilo próprio. Como trabalhava na secretaria dos navios em que servia, tinha máquina de escrever a meu dispor, que utilizava durante os dias e noites de alto-mar . A par de obras literárias, lia muito sobre cultura geral, antropologia, filosofia, história das religi-ões, mitologia, história geral e do Brasil, folclore, enfim o de que necessitaria para suporte de minha literatura, inclusive lia dicionário, sobre concordância e regência, com exercícios de retenção de palavras essenciais.
Teve a influência de alguém para começar a escrever?
Começar a escrever foi opção sem influência de ninguém, a não ser das obras que lia. Hoje, depois de 21 livros publicados, com várias reedições, traduções em vários países e muitos estudos sobre eles, no Brasil e no estrangeiro, tenho minha home page – http://www.moacirclopes.com.br/ , e-mail – http.moacirclopes@gmail.com e uma comunidade de orkut, aberta por Marcos Vinícius Teixeira, professor mineiro, ficcionista e poeta. Viver de literatura é muito difícil no Brasil e por falta de consumidor de livros, com ínfima percentagem de leitores de ficção e poesia, que preferem na maioria obras de autoajuda, e não possuímos hoje um serviço mais atuante de informações sobre a verdadeira cultura brasileira, seus escritores, seus pintores, seus escultores, seus músicos de primeira linha, seus artistas em geral.
Como começou a tomar gosto pela escrita?
Desde minha juventude tive tendência para as fábulas, a literatura, a começar pelos livros de cordel e os folhetins com histórias em capítulos impressos, de escritores brasileiros e estrangeiros (semelhantes às novelas de Tv atuais), que chegavam a Quixadá. Comecei a tomar gosto mesmo pela escrita, como disse, em contato com os clássicos da literatura universal.
Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?
A Internet é um instrumento poderoso para a divulgação de cultura, mas apenas em escala mínima, mais para pesquisa limitada de temas, com a vantagem de remeter seus pesquisadores a obras mais substanciais, para pesquisa mais aprofundada, porque o livro é que é o instrumento essencial da cultura. Mas a Inter-net começou recentemente a contribuir na difusão de meu trabalho literário.
Tem prêmios literários? Quais e quantos?
Sim, tenho prêmios literários, sendo os principais o “Coelho Neto”, da Academia Brasileira de Letras, e o “Fábio Prado”, da União Brasileira de Escritores, São Paulo, por iniciativa de meus editores. Mas não acredito em prêmios literários, eles não alteram o valor intrínseco da obra literária, apenas ajudam na sua divulgação. No Brasil, entretanto, a concessão de grande parte dos prêmios literários é suspeita pelo notório apadrinhamento.
Livros publicados. Quais?
Como afirmei acima, publiquei até agora 21 obras, sendo 11 romances, outros de contos, infanto-juvenis e de ensaios, com várias reedições e traduções em vários países, com teses de mestrado e doutorado de professores brasileiros e estrangeiros, além de muitos estudos menores, sobre toda minha obra. Haveria que destacar o romance de estréia, Maria de cada porto, hoje em nona edição, e A ostra e o vento, em oitava edição, adaptado para o cinema em 1997, sob o mesmo título, que obteve muitos prêmios. Entre os livros de ensaio, destacaria Guia prático de criação literária, fruto de minhas pesquisas, e concentrando nele aulas que ministrei sobre criação literária, na UFRJ e na Faculdade Hélio Alonso, do Rio de Janeiro, e continuo utilizando em aulas, palestras e conferências, e A situação do escritor e do livro no Brasil, no qual apresento os principais problemas do escritor. Estou preparando outras obras, entre elas um romance e um livro de memórias, em dois volumes.
Seu romance que escreveu em 1944, mas não concluiu. Fale sobre ele. Sobre o que era? Porque iniciou e porque não concluiu?
O romance que escrevi em 1944, aos 17 anos, não possuía ainda as qualidades literárias que eu esperava. Nem recordo o assunto, mas não possuía a temática de mar, nem teve título e nem cheguei a concluir por não saber como terminá-lo. A solução foi destruí-lo.
Maria de Cada Porto, em 1959, foi então o seu primeiro romance concluido. que obteve premios na Academia Brasileira de Letras e União Brasileira de Escritores. Como foi este processo de criação deste livro? O senhor pretendia se lançar no mercado com ele, ou era apenas o prazer de escrever, não importando o que poderia obter depois?
Em 1946, em visita ao folclorista Luís da Câmara Cascudo, em Natal, RN, comecei a escrever o romance que viria a receber o título de Maria de cada porto, sobre a vida dos marinheiros, a bordo e em terra, suas aventuras, seus amores, e as operações da Marinha do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, usando como espinha dorsal o caso do naufrágio do cruzador Bahia, poucos dias depois de terminada a guerra, com tripulação de 380, da qual foram salvos com vida apenas 27 marinheiros, após 4 dias de sede, fome e loucura em 16 balsas. Só vim a publicá-lo em 1959, com grande repercussão de crítica e de público. Eu não contava com essa repercussão, a literatura era meu grande desafio, enfim me senti um pouco realizado, quando várias editoras me procuraram para a publicação de obras futuras, abrindo-me suas portas. Na verdade, eu pretendia construir uma obra literária.
Quem considera entre vivos e falecidos os maiores escritores do Brasil?
O Brasil já possui uma das melhores literaturas do mundo, embora pouco difun-dida aqui e lá fora. Um professor norte-americano, Leo Barrow, meu amigo, me afirmou que Machado de Assis poderia ser comparado a Shakespeare em valor literário. Eu destacaria, além dele, José de Alencar, Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa, José Lins do Rego, Jorge Amado, Lima Barreto, Euclides da Cunha, que, não sendo ficcionista, seu livro Os Sertões, influenciaria nossos ficcionistas, como também influenciaria o livro Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, Aluísio de Azevedo, Domingos Olímpio, Lúcio Cardoso, Cornélio Pena, Dalcídio Jurandir, Herberto Sales, Campos de Carvalho, Rui Mourão, e alguns de minha geração para cá, que não menciono para não cometer injustiça a outros porventura não mencionados. E nossos importantes poetas, como Gonçalves Dias, Augusto dos Anjos, Castro Alves, Olavo Bilac, Jorge de Lima, Ma-nuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana.
Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um "clic" e a musa pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial ?
Não existe essa situação psicologicamente definida. Cada obra a escrever exige muito trabalho, muita pesquisa sobre o tema a ser abordado, a linguagem a ser usada, o tempo, os personagens, mesmo porque cada livro exige uma linguagem diferente, um estilo apropriado a essa história. E tudo é fruto de planejamento, de organicidade, não desprezando, contudo, a espontaneidade. Até a escolha dos nomes dos personagens é um desafio, se vou levar a história em narrativa feita na primeira pessoa ou na terceira, se no passado ou no presente. A inspiração surgirá no desenvolvimento do livro. Não tenho ambiente especial para criar, mas necessito de isolamento, embora muitas vezes eu escreva até com a televisão ligada ou com o barulho vindo da rua.
Como é que você concebe suas obras?
Para tornar-se escritor, não é apenas exercitar a escrita. Antes de mais nada, a vocação é essencial. Depois, vem a fase do aprendizado, da leitura dos mestres da literatura universal, a busca de um estilo próprio. O essencial não é apenas contar uma história, porque os meios de comunicação o fazem diariamente, nos jornais, em revistas, na rádio, na televisão, mas a forma como contar essa histó-ria, ou seja, o uso da linguagem, do estilo, das simbologias, das metáforas. Como disse anteriormente, gasto muito tempo planejando o livro a escrever. Levo uns dois anos até concluí-lo, depois de várias vezes que o reescrevo até encontrar a linguagem apropriada.
Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós, chega apenas o que a mídia divulga?
Há uma constelação de escritores desconhecidos da maioria dos leitores. Se formos nos basear no que a mídia divulga diariamente, não passaremos de uma dúzia de best-sellers estrangeiros, a maioria deles sem importância literária. Existem conforme citado anteriormente vários nomes de escritores brasileiros pouco lembrados pelos leitores, e que não podem ser negligenciados pelos jovens candidatos a escritor.
Na sua opinião, que livro ou livros da literatura da língua portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?
De escritores da língua portuguesa, eu destacaria os clássicos, como Alexandre Herculano, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Júlio Dantas, Bernardim Ribeiro, e os clássicos brasileiros citados acima. Além de importantes poetas portugueses, destacando-se Luís de Camões, Guerra Junqueira, Fernando Pessoa, Miguel Torga.
Qual o papel do escritor na sociedade?
O papel do escritor na sociedade é o que ele expõe nos textos que escreve. Há que se levar em conta que o livro é o mais fidedigno intérprete da cultura nacional, o escritor é esse mensageiro, individual e soberanamente, porque não se curva a injunções políticas, mesmo em períodos de ditadura. Ele não precisa ser engajado, e não deve, porque o engajamento restringe o valor da obra, sendo que sua mensagem é a permanência da sua obra.
O que lê hoje?
Hoje, sinto-me chocado com qualquer ato que fuja aos padrões da ética. Continuo sendo leitor compulsivo. Leio autores novos e releio os clássicos, não apenas obras de ficção e de poesia, como qualquer obra de cultura geral.
Qual é a sensação ao se conseguir um prêmio na Academia Brasileira de Letras?
Apesar de haver obtido um prêmio da Academia Brasileira de Letras pelo meu primeiro livro, enviado por editores a acadêmicos dos anos 60 do século passa-do, sou muito descrente de prêmios literários, qualquer seja a sua origem, inclu-sive os concedidos pela ABL.
E por ser convidado para ao lado de nomes do quilate de Machado de Assis, ser considerado Escritor Imortal?
A ABL possui métodos estranhos para a indicação de futuros membros, e não são os mais justos. Como exemplo, não poderia explicar como importantes escritores e poetas não conseguiram dela fazer parte, como Luís da Câmara Cascudo, Gilberto Freyre, Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, bem mais importantes do que a maioria dos que por lá passaram ou permanecem.
Fale algum fato engraçado relativo a algum momento literário, ou sua criação.
Um dos fatos engraçados foi quando eu estava sozinho em casa, à noite, escrevendo uma parte do meu livro A ostra e o vento, focando o personagem Saulo, que não existe como pessoa física, mas é uma entidade criada pela mente da personagem Marcela e fica circulando a ilha, passageiro do vento. A cena que eu escrevia era a que ele, Saulo, vai penetrando na casa do farol para possuir Marcela. No auge da cena, começo a sentir que Saulo está atrás de mim. Parei de escrever, assustado, fechei o apartamento e corri para a rua.
Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?
Tenho vários projetos, que ultrapassarão meu tempo de vida. A morte é mero detalhe de uma vida longa, que não deixa de ser uma longa viagem, e enquanto houver luz no mundo estarei acordado. A cultura popular é muito da alma de um povo e tem que ser preservada. A globalização veio como instrumento colonizador de países de cultura mais sólida contra países menos desenvolvidos culturalmente. Se não mantivermos vivos nosso folclore, nossos mitos, heróis e costumes, outros países quererão penetrar no vácuo cultural com seus heróis, folclore, mitos e costumes que nada têm a ver com nossa cultura.
No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria?
O aprendiz de escritor deve ler o que lhe caia às mãos. A “porcaria” literária é também útil para nos ensinar o quê e como não devemos escrever. Eu tenho na minha biblioteca uma pequena coleção desses livros, considerando que, como editor durante mais de 20 anos, fui obrigado a ler muitos livros que me chegavam, sem nenhuma qualidade literária, mas sempre úteis. Em verdade, não existe livro ruim, existe um grau de evolução de leitor, o livro “porcaria” pode ser o mais admirado por um leitor iniciante, de pouca cultura como leitor.
Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever?
Meu único conselho a pessoas que começassem agora a escrever seria o de apenas ler os mestres da literatura para conhecer o que foi feito antes dele, e procurar a originalidade. Muitos analistas afirmam que não existe mais a possibilidade de se ser original, porque tudo já foi escrito. Têm razão em termos, mas cada escritor é um universo individual, daí sua originalidade.
O que é preciso para ser um bom escritor?
Para ser um bom escritor, é preciso lembrar que o talento não pode ser passado adiante, não é hereditário nem parte do inconsciente coletivo ou da memória genética, é uma qualidade individual.
Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Outros trabalhos culturais, opiniões, crítica, etc.
Nada a acrescentar, porque as perguntas foram abrangentes e me permitiram respostas abrangentes.
Se Deus parasse na tua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?
Deus é uma figura emblemática. Digamos que fosse um gênio aprisionado nu-ma garrafa como aparece em um filme de As mil e uma noites: o primeiro desejo seria ensinar o brasileiro a escolher melhor seus governantes para evitar incompetentes na direção do país. O segundo seria varrer da política nacional esses corruptos que já ocupam os postos principais. O terceiro seria disseminar a cultura entre todos os habitantes, para que cada um passasse a entender de moral, ética, estética, com possibilidade de plena escolha das necessidades básicas, evitando a massificação da mediocridade, dominando as noções de nacionalismo, a prática da cidadania.
Rio de Janeiro, 13 de fevereiro, 2010.
Fonte:
Entrevista virtual concedida a José Feldman para o Pavilhão Literário Singrando Horizontes
Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever.
Foi um longo aprendizado literário, através da leitura, começando com os fran-ceses, Balzac, Gustave Flaubert, Stendhal, Anatole France, Guy de Maupassant, Victor Hugo, Marcel Proust, além de clássicos como Montesquieu, passando à literatura russa, tendo Dostoievski e Tolstoi, Gogol como os principais, depois a inglesa, com William Shakespeare, Charles Morgan, Charles Dickens, Emily Brontë, James Joyce, passando aos portugueses, em que pude destacar Camilo Castelo Branco, Alexandre Herculano e Eça de Queiroz. Além de obras imprescindíveis como as de Homero, Idíada e Odisséia, A Divina Comédia, de Dante Alighieri, Dom Quixote, de Cervantes. Finalmente, chegando à literatura brasileira, quando passei a estudar com mais afinco o estilo de cada autor, já lidando com nosso idioma. Foram muitos, sendo os principais Machado de Assis, José Lins do Rego, Guimarães Rosa, Dalcídio Jurandir, Érico Veríssimo, Jorge Amado, e, finalmente, Graciliano Ramos, que passei a considerar o mais importante ficcionista brasileiro, dono de estilo impecável.
Fale um pouco sobre sua trajetória literária. Como começou a vida de escritor?
Ainda marinheiro, depois de muita leitura resolvi tornar-me escritor, organizan-do meu próprio método de criação literária, na busca de um estilo próprio. Como trabalhava na secretaria dos navios em que servia, tinha máquina de escrever a meu dispor, que utilizava durante os dias e noites de alto-mar . A par de obras literárias, lia muito sobre cultura geral, antropologia, filosofia, história das religi-ões, mitologia, história geral e do Brasil, folclore, enfim o de que necessitaria para suporte de minha literatura, inclusive lia dicionário, sobre concordância e regência, com exercícios de retenção de palavras essenciais.
Teve a influência de alguém para começar a escrever?
Começar a escrever foi opção sem influência de ninguém, a não ser das obras que lia. Hoje, depois de 21 livros publicados, com várias reedições, traduções em vários países e muitos estudos sobre eles, no Brasil e no estrangeiro, tenho minha home page – http://www.moacirclopes.com.br/ , e-mail – http.moacirclopes@gmail.com e uma comunidade de orkut, aberta por Marcos Vinícius Teixeira, professor mineiro, ficcionista e poeta. Viver de literatura é muito difícil no Brasil e por falta de consumidor de livros, com ínfima percentagem de leitores de ficção e poesia, que preferem na maioria obras de autoajuda, e não possuímos hoje um serviço mais atuante de informações sobre a verdadeira cultura brasileira, seus escritores, seus pintores, seus escultores, seus músicos de primeira linha, seus artistas em geral.
Como começou a tomar gosto pela escrita?
Desde minha juventude tive tendência para as fábulas, a literatura, a começar pelos livros de cordel e os folhetins com histórias em capítulos impressos, de escritores brasileiros e estrangeiros (semelhantes às novelas de Tv atuais), que chegavam a Quixadá. Comecei a tomar gosto mesmo pela escrita, como disse, em contato com os clássicos da literatura universal.
Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?
A Internet é um instrumento poderoso para a divulgação de cultura, mas apenas em escala mínima, mais para pesquisa limitada de temas, com a vantagem de remeter seus pesquisadores a obras mais substanciais, para pesquisa mais aprofundada, porque o livro é que é o instrumento essencial da cultura. Mas a Inter-net começou recentemente a contribuir na difusão de meu trabalho literário.
Tem prêmios literários? Quais e quantos?
Sim, tenho prêmios literários, sendo os principais o “Coelho Neto”, da Academia Brasileira de Letras, e o “Fábio Prado”, da União Brasileira de Escritores, São Paulo, por iniciativa de meus editores. Mas não acredito em prêmios literários, eles não alteram o valor intrínseco da obra literária, apenas ajudam na sua divulgação. No Brasil, entretanto, a concessão de grande parte dos prêmios literários é suspeita pelo notório apadrinhamento.
Livros publicados. Quais?
Como afirmei acima, publiquei até agora 21 obras, sendo 11 romances, outros de contos, infanto-juvenis e de ensaios, com várias reedições e traduções em vários países, com teses de mestrado e doutorado de professores brasileiros e estrangeiros, além de muitos estudos menores, sobre toda minha obra. Haveria que destacar o romance de estréia, Maria de cada porto, hoje em nona edição, e A ostra e o vento, em oitava edição, adaptado para o cinema em 1997, sob o mesmo título, que obteve muitos prêmios. Entre os livros de ensaio, destacaria Guia prático de criação literária, fruto de minhas pesquisas, e concentrando nele aulas que ministrei sobre criação literária, na UFRJ e na Faculdade Hélio Alonso, do Rio de Janeiro, e continuo utilizando em aulas, palestras e conferências, e A situação do escritor e do livro no Brasil, no qual apresento os principais problemas do escritor. Estou preparando outras obras, entre elas um romance e um livro de memórias, em dois volumes.
Seu romance que escreveu em 1944, mas não concluiu. Fale sobre ele. Sobre o que era? Porque iniciou e porque não concluiu?
O romance que escrevi em 1944, aos 17 anos, não possuía ainda as qualidades literárias que eu esperava. Nem recordo o assunto, mas não possuía a temática de mar, nem teve título e nem cheguei a concluir por não saber como terminá-lo. A solução foi destruí-lo.
Maria de Cada Porto, em 1959, foi então o seu primeiro romance concluido. que obteve premios na Academia Brasileira de Letras e União Brasileira de Escritores. Como foi este processo de criação deste livro? O senhor pretendia se lançar no mercado com ele, ou era apenas o prazer de escrever, não importando o que poderia obter depois?
Em 1946, em visita ao folclorista Luís da Câmara Cascudo, em Natal, RN, comecei a escrever o romance que viria a receber o título de Maria de cada porto, sobre a vida dos marinheiros, a bordo e em terra, suas aventuras, seus amores, e as operações da Marinha do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, usando como espinha dorsal o caso do naufrágio do cruzador Bahia, poucos dias depois de terminada a guerra, com tripulação de 380, da qual foram salvos com vida apenas 27 marinheiros, após 4 dias de sede, fome e loucura em 16 balsas. Só vim a publicá-lo em 1959, com grande repercussão de crítica e de público. Eu não contava com essa repercussão, a literatura era meu grande desafio, enfim me senti um pouco realizado, quando várias editoras me procuraram para a publicação de obras futuras, abrindo-me suas portas. Na verdade, eu pretendia construir uma obra literária.
Quem considera entre vivos e falecidos os maiores escritores do Brasil?
O Brasil já possui uma das melhores literaturas do mundo, embora pouco difun-dida aqui e lá fora. Um professor norte-americano, Leo Barrow, meu amigo, me afirmou que Machado de Assis poderia ser comparado a Shakespeare em valor literário. Eu destacaria, além dele, José de Alencar, Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa, José Lins do Rego, Jorge Amado, Lima Barreto, Euclides da Cunha, que, não sendo ficcionista, seu livro Os Sertões, influenciaria nossos ficcionistas, como também influenciaria o livro Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, Aluísio de Azevedo, Domingos Olímpio, Lúcio Cardoso, Cornélio Pena, Dalcídio Jurandir, Herberto Sales, Campos de Carvalho, Rui Mourão, e alguns de minha geração para cá, que não menciono para não cometer injustiça a outros porventura não mencionados. E nossos importantes poetas, como Gonçalves Dias, Augusto dos Anjos, Castro Alves, Olavo Bilac, Jorge de Lima, Ma-nuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana.
Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um "clic" e a musa pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial ?
Não existe essa situação psicologicamente definida. Cada obra a escrever exige muito trabalho, muita pesquisa sobre o tema a ser abordado, a linguagem a ser usada, o tempo, os personagens, mesmo porque cada livro exige uma linguagem diferente, um estilo apropriado a essa história. E tudo é fruto de planejamento, de organicidade, não desprezando, contudo, a espontaneidade. Até a escolha dos nomes dos personagens é um desafio, se vou levar a história em narrativa feita na primeira pessoa ou na terceira, se no passado ou no presente. A inspiração surgirá no desenvolvimento do livro. Não tenho ambiente especial para criar, mas necessito de isolamento, embora muitas vezes eu escreva até com a televisão ligada ou com o barulho vindo da rua.
Como é que você concebe suas obras?
Para tornar-se escritor, não é apenas exercitar a escrita. Antes de mais nada, a vocação é essencial. Depois, vem a fase do aprendizado, da leitura dos mestres da literatura universal, a busca de um estilo próprio. O essencial não é apenas contar uma história, porque os meios de comunicação o fazem diariamente, nos jornais, em revistas, na rádio, na televisão, mas a forma como contar essa histó-ria, ou seja, o uso da linguagem, do estilo, das simbologias, das metáforas. Como disse anteriormente, gasto muito tempo planejando o livro a escrever. Levo uns dois anos até concluí-lo, depois de várias vezes que o reescrevo até encontrar a linguagem apropriada.
Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós, chega apenas o que a mídia divulga?
Há uma constelação de escritores desconhecidos da maioria dos leitores. Se formos nos basear no que a mídia divulga diariamente, não passaremos de uma dúzia de best-sellers estrangeiros, a maioria deles sem importância literária. Existem conforme citado anteriormente vários nomes de escritores brasileiros pouco lembrados pelos leitores, e que não podem ser negligenciados pelos jovens candidatos a escritor.
Na sua opinião, que livro ou livros da literatura da língua portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?
De escritores da língua portuguesa, eu destacaria os clássicos, como Alexandre Herculano, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Júlio Dantas, Bernardim Ribeiro, e os clássicos brasileiros citados acima. Além de importantes poetas portugueses, destacando-se Luís de Camões, Guerra Junqueira, Fernando Pessoa, Miguel Torga.
Qual o papel do escritor na sociedade?
O papel do escritor na sociedade é o que ele expõe nos textos que escreve. Há que se levar em conta que o livro é o mais fidedigno intérprete da cultura nacional, o escritor é esse mensageiro, individual e soberanamente, porque não se curva a injunções políticas, mesmo em períodos de ditadura. Ele não precisa ser engajado, e não deve, porque o engajamento restringe o valor da obra, sendo que sua mensagem é a permanência da sua obra.
O que lê hoje?
Hoje, sinto-me chocado com qualquer ato que fuja aos padrões da ética. Continuo sendo leitor compulsivo. Leio autores novos e releio os clássicos, não apenas obras de ficção e de poesia, como qualquer obra de cultura geral.
Qual é a sensação ao se conseguir um prêmio na Academia Brasileira de Letras?
Apesar de haver obtido um prêmio da Academia Brasileira de Letras pelo meu primeiro livro, enviado por editores a acadêmicos dos anos 60 do século passa-do, sou muito descrente de prêmios literários, qualquer seja a sua origem, inclu-sive os concedidos pela ABL.
E por ser convidado para ao lado de nomes do quilate de Machado de Assis, ser considerado Escritor Imortal?
A ABL possui métodos estranhos para a indicação de futuros membros, e não são os mais justos. Como exemplo, não poderia explicar como importantes escritores e poetas não conseguiram dela fazer parte, como Luís da Câmara Cascudo, Gilberto Freyre, Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, bem mais importantes do que a maioria dos que por lá passaram ou permanecem.
Fale algum fato engraçado relativo a algum momento literário, ou sua criação.
Um dos fatos engraçados foi quando eu estava sozinho em casa, à noite, escrevendo uma parte do meu livro A ostra e o vento, focando o personagem Saulo, que não existe como pessoa física, mas é uma entidade criada pela mente da personagem Marcela e fica circulando a ilha, passageiro do vento. A cena que eu escrevia era a que ele, Saulo, vai penetrando na casa do farol para possuir Marcela. No auge da cena, começo a sentir que Saulo está atrás de mim. Parei de escrever, assustado, fechei o apartamento e corri para a rua.
Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?
Tenho vários projetos, que ultrapassarão meu tempo de vida. A morte é mero detalhe de uma vida longa, que não deixa de ser uma longa viagem, e enquanto houver luz no mundo estarei acordado. A cultura popular é muito da alma de um povo e tem que ser preservada. A globalização veio como instrumento colonizador de países de cultura mais sólida contra países menos desenvolvidos culturalmente. Se não mantivermos vivos nosso folclore, nossos mitos, heróis e costumes, outros países quererão penetrar no vácuo cultural com seus heróis, folclore, mitos e costumes que nada têm a ver com nossa cultura.
No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria?
O aprendiz de escritor deve ler o que lhe caia às mãos. A “porcaria” literária é também útil para nos ensinar o quê e como não devemos escrever. Eu tenho na minha biblioteca uma pequena coleção desses livros, considerando que, como editor durante mais de 20 anos, fui obrigado a ler muitos livros que me chegavam, sem nenhuma qualidade literária, mas sempre úteis. Em verdade, não existe livro ruim, existe um grau de evolução de leitor, o livro “porcaria” pode ser o mais admirado por um leitor iniciante, de pouca cultura como leitor.
Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever?
Meu único conselho a pessoas que começassem agora a escrever seria o de apenas ler os mestres da literatura para conhecer o que foi feito antes dele, e procurar a originalidade. Muitos analistas afirmam que não existe mais a possibilidade de se ser original, porque tudo já foi escrito. Têm razão em termos, mas cada escritor é um universo individual, daí sua originalidade.
O que é preciso para ser um bom escritor?
Para ser um bom escritor, é preciso lembrar que o talento não pode ser passado adiante, não é hereditário nem parte do inconsciente coletivo ou da memória genética, é uma qualidade individual.
Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Outros trabalhos culturais, opiniões, crítica, etc.
Nada a acrescentar, porque as perguntas foram abrangentes e me permitiram respostas abrangentes.
Se Deus parasse na tua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?
Deus é uma figura emblemática. Digamos que fosse um gênio aprisionado nu-ma garrafa como aparece em um filme de As mil e uma noites: o primeiro desejo seria ensinar o brasileiro a escolher melhor seus governantes para evitar incompetentes na direção do país. O segundo seria varrer da política nacional esses corruptos que já ocupam os postos principais. O terceiro seria disseminar a cultura entre todos os habitantes, para que cada um passasse a entender de moral, ética, estética, com possibilidade de plena escolha das necessidades básicas, evitando a massificação da mediocridade, dominando as noções de nacionalismo, a prática da cidadania.
Rio de Janeiro, 13 de fevereiro, 2010.
Fonte:
Entrevista virtual concedida a José Feldman para o Pavilhão Literário Singrando Horizontes
Um comentário:
Entrevista interessantíssima. Particularmente não conhecia ainda Moacir. Adorei a objetividade das suas resposas, uma lição pra quem como eu é apaixonado integral pela literatura brasileria. Parabéns! abs
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