terça-feira, 28 de maio de 2019

Malba Tahan (A Noiva de Romaiana)

   

Na opulenta cidade de Badu, na Índia, vivia, faz muitos anos, um rico brâmane, chamado Romaiana, que possuía as cinco virtudes desejáveis e era, além disso, destro e valente no manejo dos corcéis de combate.

Três encantadoras donzelas - Nang, Laira e Lamit - requestavam (1) o coração do garboso e gentil Romaiana. Cada uma delas parecia exceder as demais em beleza de formas, lustres de avós e graças de gestos e sorrisos.

Não sabendo o generoso Romaiana qual das três deidades escolher para esposa, procurou um velho sacerdote, chamado Vidharba, que morava na cidade - pediu ao bom guru que lhe indicasse um meio seguro e discreto de averiguar qual das três raparigas seria a mais prendada.

- Aconselho-te um artifício extremamente simples - acudiu o sábio brâmane ao jovem namorado. - Dá a cada uma das jovens um prato de arroz, no meio do qual terás, previamente, ocultado um brilhante, e pede-lhes que te preparem um gostoso manjar.

Depois de aprontar cuidadosamente os três pratos, conforme determinara o sacerdote, Romaiana tomou-o sob as amplas vestes, foi à casa da formosa Nang, e disse-lhe, apresentando-lhe um deles.

- Venho pedir-te, minha querida, que me prepares, tu mesma, com este arroz, um manjar. Virei, dentro de sete dias, saborear a iguaria que fizeres!

Idêntico pedido fez Romaiana, logo depois, a Laira e a Lamit, deixando-lhes os dois pratos restantes.

No dia marcado, ao cair da tarde, foi o moço brâmane, em companhia do judicioso Vidharba, à casa de Nang.

A jovem conseguira, com o alvo cereal que lhe dera Romaiana, um manjar finíssimo e saboroso.

- Como és habilidosa, ó bela Nang! - exclamou o moço, cheio de entusiasmo. - Feliz o mortal que hás de eleger para esposo!

O velho guru disse, porém, baixinho, ao discípulo:

- Esta jovem é, realmente, como disseste, bastante habilidosa, mas não te poderá servir para esposa. É desonesta, e egoísta, pois, tendo encontrado o brilhante no meio do arroz, guardou-o sem nada dizer-te!

E prosseguiu:

- A mulher desonesta e egoísta, conforme li no Hitopadexa (2) - é como o tigre faminto da floresta, que tanto devora um ladrão como um santo!

Romaiana e seu mestre despediram-se de Nang, e dirigiram-se, em seguida, à casa em que morava Laira.
      
Não menos delicioso estava o pudim que esta idealizara. Ao prová-lo, Romaiana ficou maravilhado:

- Não há elogios dignos deste apetitoso prato! Jamais me foi dado saborear iguaria tão fina! Estou encantado.

- Mais encantada estou eu ainda - retorquiu a jovem - pois no meio do arroz achei um valioso brilhante, com o qual mandei fazer, para mim, este lindo anel!
    
E estendendo a mão fina e perfeita, mostrou ao namorado a riquíssima joia que lhe cintilava no dedo esguio e branco.

Mas, sem que Laira o ouvisse, o sacerdote murmurou ao ouvido do jovem brâmane:

- Esta moça é prendada, é honesta, mas tem, a meu ver, um grave defeito: é egoísta! A mulher egoísta - conforme nos ensina o Hitopadexa - é como o pássaro que devora a semente para que ninguém possa aproveitar o fruto!

E rematou, em voz baixa:

- Deixemos esta casa. Vejamos como vai receber-nos a formosa Lamit!

Romaiana seguiu, no mesmo instante, para a casa de sua terceira apaixonada.

Acolheu-o Lamit com grande satisfação, oferecendo-lhes um lauto banquete.

- Que vejo! - exclamou Romaiana. - Pedi-te que me fizesses, apenas, um manjar com a pequena porção de arroz que te dei, e encontro iguarias tão diversas e tão finas que só mesmo na ceia de um príncipe poderiam figurar!

- Pois tudo isso que aí está - retorquiu a jovem - preparei apenas com o arroz que me trouxeste!

- Como foi possível tal milagre?

- Nada mais fácil - explicou Lamit. - Ao examinar e lavar o arroz, achei um brilhante. Se esse brilhante veio com o arroz - pensei - deve contribuir para a preparação dos pratos! E. assim, resolvi empenhar o brilhante. Com o dinheiro obtido comprei vários ingredientes para as demais iguarias que aí estão. Mostrei-os às minhas vizinhas que, encantadas, me pediram lhes ensinasse a tão bem fazê-los. Aquiesci, recebendo, de cada uma, dois thalungs (3) de ouro. Foi com esse dinheiro que consegui retirar o brilhante do penhor!

    E entregando a Romaiana a preciosa gema, disse:

- Aqui está o brilhante! Guarda-o, que ele é teu!

O sábio bramarxi (4), conduzindo o rapaz para o canto da sala, segredou-lhe:

    - Casa, meu filho, une-te hoje mesmo a esta meiga e preciosa menina! Ela é, a meu ver, habilidosa, honesta, boa e econômica!

E concluiu, com firmeza, que os anos e a experiência lhe garantiam:

- A mulher econômica, segundo diz o Hitopadexa, é como a formiga que nunca leva fora de sua vivenda os grãos preciosos de seu celeiro.

Romaiana seguiu, sem hesitar, o conselho do sábio Vidharba, e viveu, muitos anos felizes, sem jamais esquecer os profundos ensinamentos do Hitopadexa:

- "Em verdade, quem não tem, procure adquirir; adquirindo, guarde sem desperdiçar; guardando, aumente convenientemente; aumentando, despenda nos lugares sagrados!"
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Notas:
1 - Requestar - 1. Solicitar de modo insistente; requisitar ou suplicar; 2. Almejar ou intencionar as boas graças de alguém; 3. Ação de cortejar ou namorar.

2- Hitopadexa - Livro composto de uma coleção de fábulas, contos morais e apólogos. O Hitopadexa é muito usado na índia para a educação dos meninos.

3- Thalung - Moeda antiga do Sião.

4- Bramarxi - Brâmane dotado de grandes virtudes. Santo da casta bramânica.


Fonte:
Malba Tahan. Os Segredos da Alma Feminina nas Lendas do Oriente.

Um comentário:

Antônio Cesar Baleeiro Alves disse...

Excelente. Fui um leitor assíduo dos contos de Malba Tahan.