Na opulenta cidade de Badu, na Índia, vivia, faz muitos anos, um rico brâmane, chamado Romaiana, que possuía as cinco virtudes desejáveis e era, além disso, destro e valente no manejo dos corcéis de combate.
Três encantadoras donzelas - Nang, Laira e Lamit - requestavam (1) o coração do garboso e gentil Romaiana. Cada uma delas parecia exceder as demais em beleza de formas, lustres de avós e graças de gestos e sorrisos.
Não sabendo o generoso Romaiana qual das três deidades escolher para esposa, procurou um velho sacerdote, chamado Vidharba, que morava na cidade - pediu ao bom guru que lhe indicasse um meio seguro e discreto de averiguar qual das três raparigas seria a mais prendada.
- Aconselho-te um artifício extremamente simples - acudiu o sábio brâmane ao jovem namorado. - Dá a cada uma das jovens um prato de arroz, no meio do qual terás, previamente, ocultado um brilhante, e pede-lhes que te preparem um gostoso manjar.
Depois de aprontar cuidadosamente os três pratos, conforme determinara o sacerdote, Romaiana tomou-o sob as amplas vestes, foi à casa da formosa Nang, e disse-lhe, apresentando-lhe um deles.
- Venho pedir-te, minha querida, que me prepares, tu mesma, com este arroz, um manjar. Virei, dentro de sete dias, saborear a iguaria que fizeres!
Idêntico pedido fez Romaiana, logo depois, a Laira e a Lamit, deixando-lhes os dois pratos restantes.
No dia marcado, ao cair da tarde, foi o moço brâmane, em companhia do judicioso Vidharba, à casa de Nang.
A jovem conseguira, com o alvo cereal que lhe dera Romaiana, um manjar finíssimo e saboroso.
- Como és habilidosa, ó bela Nang! - exclamou o moço, cheio de entusiasmo. - Feliz o mortal que hás de eleger para esposo!
O velho guru disse, porém, baixinho, ao discípulo:
- Esta jovem é, realmente, como disseste, bastante habilidosa, mas não te poderá servir para esposa. É desonesta, e egoísta, pois, tendo encontrado o brilhante no meio do arroz, guardou-o sem nada dizer-te!
E prosseguiu:
- A mulher desonesta e egoísta, conforme li no Hitopadexa (2) - é como o tigre faminto da floresta, que tanto devora um ladrão como um santo!
Romaiana e seu mestre despediram-se de Nang, e dirigiram-se, em seguida, à casa em que morava Laira.
Não menos delicioso estava o pudim que esta idealizara. Ao prová-lo, Romaiana ficou maravilhado:
- Não há elogios dignos deste apetitoso prato! Jamais me foi dado saborear iguaria tão fina! Estou encantado.
- Mais encantada estou eu ainda - retorquiu a jovem - pois no meio do arroz achei um valioso brilhante, com o qual mandei fazer, para mim, este lindo anel!
E estendendo a mão fina e perfeita, mostrou ao namorado a riquíssima joia que lhe cintilava no dedo esguio e branco.
Mas, sem que Laira o ouvisse, o sacerdote murmurou ao ouvido do jovem brâmane:
- Esta moça é prendada, é honesta, mas tem, a meu ver, um grave defeito: é egoísta! A mulher egoísta - conforme nos ensina o Hitopadexa - é como o pássaro que devora a semente para que ninguém possa aproveitar o fruto!
E rematou, em voz baixa:
- Deixemos esta casa. Vejamos como vai receber-nos a formosa Lamit!
Romaiana seguiu, no mesmo instante, para a casa de sua terceira apaixonada.
Acolheu-o Lamit com grande satisfação, oferecendo-lhes um lauto banquete.
- Que vejo! - exclamou Romaiana. - Pedi-te que me fizesses, apenas, um manjar com a pequena porção de arroz que te dei, e encontro iguarias tão diversas e tão finas que só mesmo na ceia de um príncipe poderiam figurar!
- Pois tudo isso que aí está - retorquiu a jovem - preparei apenas com o arroz que me trouxeste!
- Como foi possível tal milagre?
- Nada mais fácil - explicou Lamit. - Ao examinar e lavar o arroz, achei um brilhante. Se esse brilhante veio com o arroz - pensei - deve contribuir para a preparação dos pratos! E. assim, resolvi empenhar o brilhante. Com o dinheiro obtido comprei vários ingredientes para as demais iguarias que aí estão. Mostrei-os às minhas vizinhas que, encantadas, me pediram lhes ensinasse a tão bem fazê-los. Aquiesci, recebendo, de cada uma, dois thalungs (3) de ouro. Foi com esse dinheiro que consegui retirar o brilhante do penhor!
E entregando a Romaiana a preciosa gema, disse:
- Aqui está o brilhante! Guarda-o, que ele é teu!
O sábio bramarxi (4), conduzindo o rapaz para o canto da sala, segredou-lhe:
- Casa, meu filho, une-te hoje mesmo a esta meiga e preciosa menina! Ela é, a meu ver, habilidosa, honesta, boa e econômica!
E concluiu, com firmeza, que os anos e a experiência lhe garantiam:
- A mulher econômica, segundo diz o Hitopadexa, é como a formiga que nunca leva fora de sua vivenda os grãos preciosos de seu celeiro.
Romaiana seguiu, sem hesitar, o conselho do sábio Vidharba, e viveu, muitos anos felizes, sem jamais esquecer os profundos ensinamentos do Hitopadexa:
- "Em verdade, quem não tem, procure adquirir; adquirindo, guarde sem desperdiçar; guardando, aumente convenientemente; aumentando, despenda nos lugares sagrados!"
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Notas:
1 - Requestar - 1. Solicitar de modo insistente; requisitar ou suplicar; 2. Almejar ou intencionar as boas graças de alguém; 3. Ação de cortejar ou namorar.
2- Hitopadexa - Livro composto de uma coleção de fábulas, contos morais e apólogos. O Hitopadexa é muito usado na índia para a educação dos meninos.
3- Thalung - Moeda antiga do Sião.
4- Bramarxi - Brâmane dotado de grandes virtudes. Santo da casta bramânica.
Fonte:
Malba Tahan. Os Segredos da Alma Feminina nas Lendas do Oriente.
2- Hitopadexa - Livro composto de uma coleção de fábulas, contos morais e apólogos. O Hitopadexa é muito usado na índia para a educação dos meninos.
3- Thalung - Moeda antiga do Sião.
4- Bramarxi - Brâmane dotado de grandes virtudes. Santo da casta bramânica.
Fonte:
Malba Tahan. Os Segredos da Alma Feminina nas Lendas do Oriente.
Um comentário:
Excelente. Fui um leitor assíduo dos contos de Malba Tahan.
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